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O retorno aos princípios

Por Leonardo Bellini de Castro
Atualização:
Leonardo Bellini de Castro. FOTO: INAC/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Já foram inúmeras vezes pontuados os inúmeros retrocessos impostos ao quadro jurídico de tutela da moralidade pública pela aprovação da Lei nº 14.230/21, que alterou de maneira substancial o regime de tutela da probidade administrativa. Como já assinalado, um dos mais certeiros golpes consistiu na eliminação do caráter exemplificativo do art.11 da Lei nº 8.429/92, que agora passou a contemplar hipóteses taxativas.

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Como resultado, várias condutas altamente reprováveis que antes se enquadravam na Lei nº 8.429/92, agora se encontram infensa a eventuais sanções capituladas no art.12 da Lei de Improbidade. É dizer, se antes um conjunto básico de valores administrativo-constitucionais imprimia uma diretriz cogente aos agentes administrativos, na quadra hodierna, com as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/21, aparentemente passaram a constituir uma mera enunciação abstrata, já que a sua aberta violação não implicaria em eventual sanção fora das hipóteses agora taxativamente estabelecidas no art.11 da Lei nº 8.429/92.

Não por menos, impõe-se aos operadores do direito uma reconfigurada atenção ao regime de proteção de valores estabelecidos na Constituição, já que essa é expressa em estabelecer que a Administração Pública deve seguir os nortes principiológicos da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Assim, não poderia como efetivamente não pode a lei infraconstitucional fazer tábula rasa desse norte substancial, tornando tal comando apenas uma exortação retórica sem maiores consequências jurídicas, sob pena de expressa inconstitucionalidade.

Daí porque, uma adequada exegese conforme a Constituição Federal impõe que na hipótese de eventual vulneração cabal dos princípios que regem a Administração Pública, é ainda possível o sancionamento do transgressor na órbita da recomposição do patrimônio moral da Administração Pública.

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Para tanto, em se verificando a repercussão difusa da transgressão pela ofensa a valores constitucionalmente assegurados e não havendo enquadramento típico na Lei nº 8.429/92, impõe-se o enquadramento da conduta nas disposições previstas na Lei nº 7.347/85, diploma esse que deve funcionar como sucedâneo legal para as hipóteses de omissão da Lei nº 8.429/92.

A esse propósito, cumpre atenção ao que a própria Lei nº 14.230/21 estabeleceu ao ressalvar a possibilidade de responsabilização de agentes públicos, inclusive políticos, por danos a outros interesses difusos, inclusive em casos de ofensas ao patrimônio público e social.

É o que se lê cristalinamente do disposto no art.17-D, em seu parágrafo único, o qual foi inserido na Lei nº 8.429/92 pela Lei nº 14.230/21, dispondo que: "Ressalvado o disposto nesta Lei, o controle de legalidade de políticas públicas e a responsabilidade de agentes públicos, inclusive políticos, entes públicos e governamentais, por danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, à ordem econômica, à ordem urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos e ao patrimônio público e social submetem-se aos termos da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985."

Em acréscimo, a mesma lei ainda estabeleceu no art.17, § 16 da Lei nº 8.429/92, que a qualquer momento, se o magistrado identificar a existência de ilegalidades ou de irregularidades administrativas a serem sanadas sem que estejam presentes todos os requisitos para a imposição das sanções previstas na Lei de Improbidade, poderá, em decisão motivada, converter a referida ação em ação civil pública, regulada pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985.

Desse modo, mesmo com a formatação jurídica atual, que teve o indisfarçado escopo de promover o enfraquecimento do sistema anticorrupção, ainda assim os princípios sobreviveram e devem nortear as ações dos órgãos de controle. Para tanto, a Lei de Ação Civil Pública constitui o novo instrumento de ação, o qual deverá ser usado para a punição dos agentes nas hipóteses de omissão da Lei de Improbidade Administrativa.

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*Leonardo Bellini de Castro, promotor de Justiça - MPSP. Mestre em Direito pela USP

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção

Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Acesse aqui todos os artigos, que têm publicação periódica

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