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O Rei Salomão contra a covid-19

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Por João Campos e William Douglas
Atualização:
João Campos e William Douglas. FOTOS: LUIS MACEDO/AG. CÂMARA E ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

A legalidade constitucional e a união são, neste momento, as melhores aliadas da sociedade brasileira, que não pode se dar ao direito de errar na prevenção e no combate à covid-19. É válido, em momentos como este, relembrar ensinamentos dos grandes sábios da história, como é o caso do Rei Salomão, que mostrou o quanto podemos aprender a partir de gestos simples, como a observação da estrutura dos formigueiros -tida como um exemplo bem-sucedido de organização social.

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A atualidade de Salomão está presente em estudos contemporâneos. O cientista israelense Ofer Feinerman, físico do Weizmann Institute of Science, publicou na revista Nature Communications um estudo em que afirma que o conjunto de insetos no formigueiro tende a responder positivamente aos líderes, demonstrando equilíbrio entre individualidade e conformismo. Ao carregarem alimentos menores, as formigas seguem um padrão individual e errático. Mas esse individualismo cede à medida em que precisam carregar objetos maiores.

Nessa analogia, temos dois dos ingredientes para o sucesso de uma sociedade em seus projetos: união e liderança. Temos que nos unir, no sentido de autocontenção dos interesses pessoais e de estender a mão ao próximo e aos interesses do país. Os governantes e os políticos eleitos e não eleitos precisam abrir mão de suas agendas pessoais e ideológicas até superarmos o vírus. Vencido o inimigo comum, que se retomem os naturais embates da democracia.

No momento, os eleitos precisam superar as divergências e buscar alinhamento, pelo menos para lutar contra a pandemia. Como já foi sugerido antes, talvez seja o momento de usar mais o Conselho da República, cuja organização e funcionamento são estabelecidos pelo artigo 89 da Constituição.

Os não eleitos e os da oposição poderiam, por sua vez, interromper o contumaz fogo constante, uma vez que os eleitos merecem e precisam focar na pandemia. Não é o momento de buscar viradas de mesa. As eleições virão e, até lá, todos terão tempo para estruturar seus projetos.

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Já os cidadãos deveriam, voluntariamente, colaborar obedecendo às recomendações das autoridades, usando máscaras e adotando procedimentos como lavar as mãos e manter o distanciamento social. Mas o que fazer diante de medidas arbitrárias?

A Constituição orienta a formulação de políticas e impõe os limites que coíbem os abusos. Não podemos aceitar que sejam criadas exceções ou razões para que os direitos individuais não sejam respeitados, incluídos aí o direito de manifestação, desde que pacífica, o direito de ir e vir e o direito ao trabalho. Os direitos e liberdades individuais não podem ser usurpados a título de uma proteção em abstrato.

As medidas de isolamento, cuja eficiência é questionada por alguns, não podem ser efetivadas manu militari. É preciso rejeitar que a saúde pública seja o pretexto para violações e abusos, posto que é precedente perigoso.

Algumas medidas, ainda que movidas por boas intenções, agridem a Constituição. É o que ocorre quando as praias, assunto da União, são geridas por prefeituras e governos estaduais. A liberdade de reunião não pode ser limitada sem estado de sítio ou de defesa. Um Estado da Federação chegou a prever por decreto a invasão de domicílios para fins de evacuação. Outro, pretende manter todos em virtual prisão domiciliar. Em vários lugares, ao invés de disciplinar medidas anticontágio, quiseram fechar igrejas, que são organizações historicamente aliadas em momentos de crise. Há pessoas sendo presas por andarem nas ruas. Ou seja: sob pretexto de proteger a saúde, normas essenciais são desrespeitadas. Isso é inaceitável.

A redução das garantias individuais depende de formalidades constitucionais a cargo do Presidente, do Conselho da República, do Conselho de Defesa e, para estado de sítio, também do Congresso Nacional. Os governadores e prefeitos não têm a prerrogativa de relativizar as liberdades fundamentais. Infelizmente, estão se multiplicando os abusos de autoridade e excessos, o que gera uma demanda para que o Poder Judiciário seja conclamado a gerir a crise e até mesmo formular políticas públicas, sendo certo que também cabe a este especial autocontenção em tempos de crise.

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É esperado que a legalidade e os freios e contrapesos funcionem para limitar excessos. Em paralelo, precisamos, para carregar o enorme peso atual, que todos cedam um pouco e por um pouco de tempo, e que se respeite a liderança imposta pelas urnas, a ser exercida na forma prevista pela Constituição.

A Constituição e a sabedoria, como ensinou Salomão, são as ferramentas para lidar com o momento complexo. Com serenidade e equilíbrio, que os Poderes da República e os políticos possam guiar o povo por um caminho sereno e seguro.

*João Campos é deputado federal por Goiás, relator da reforma do Código de Processo Penal, delegado de Polícia Civil e pastor da Assembléia de Deus de Vila Nova

*William Douglas é juiz federal, professor e autor de Princípios da argumentação jurídica, As 25 leis bíblicas do sucesso e outros 40 livros

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