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Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

O que está por trás do discurso de autonomia da PF?

Por Susanna do Val Moore
Atualização:
Susanna do Val Moore. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A saída do ex-ministro Sérgio Moro do Ministério da Justiça acendeu na sociedade e na cena política brasileira o debate sobre a autonomia da Polícia Federal. Isso porque o então titular da pasta alegou deixar o cargo incomodado com a pressão do presidente Jair Bolsonaro para a troca do diretor-geral da PF. Segundo Moro, a finalidade da mudança não era técnica,  mas atendia a interesses nada republicanos, para que a Presidência tivesse acesso a informações privilegiadas, e de caráter sigiloso até, sobre as investigações realizadas pelo órgão, caracterizando assim uma forma de ingerência externa na instituição, que se notabilizou e ganhou prestígio na sociedade devido a operações que, entre outros resultados, levaram à prisão empresários e políticos poderosos nos últimos anos.

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Primeiro, é preciso deixar claro quais são as funções do diretor-geral, qual seu poder e qual o seu alcance. O cargo tem função administrativa, articula uma grande linha de comunicação e informações, pois é responsável pela indicação de superintendentes nos Estados, chefes de delegacias, além de outros cargos de chefia. Conforme a lei nº 13.047/14, a indicação do diretor-geral é prerrogativa do presidente da República e o nome deve ser escolhido entre delegados da PF de classe especial, ou seja, não é necessária qualquer chancela do Ministério da Justiça, embora a Polícia Federal esteja subordinada à pasta.

O questionamento que surge é: por ser um cargo de indicação política, o diretor-geral tem ingerência sobre as atividades da PF? A resposta é não. Sua atual estrutura confere independência e autonomia técnico-científica e investigativa garantidas em lei, pois as investigações são realizadas em grupos compartimentados. Além disso, o Ministério Público Federal acompanha inquéritos, representações de buscas e apreensões e realiza o controle externo de tudo que envolve a atividade policial, ou seja, tanto o diretor-geral quanto seus superiores não dispõem de poder para interferir nas atividades da Polícia Federal, seja para acelerar, retardar ou obstruir qualquer investigação.

No rastro desse debate público, as atenções foram voltadas também para projetos que tramitam no Congresso Nacional que envolvem as atividades da polícia judiciária. Entre eles, destaca-se a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 412, denominada PEC da Autonomia. Apesar do nome, a proposta pode ser um tiro no pé, e bastante temerária quanto à real independência da PF. Isso porque o texto retira a estrutura da Polícia Federal de dentro da Constituição e a remete para lei complementar. Qual a diferença? Da forma que está qualquer alteração necessita de maioria qualificada, aprovação de três quintos na Câmara e no Senado, por meio de PEC, ou seja, exige um debate mais aprofundado. Se for alterado o dispositivo, basta maioria absoluta, mais que a metade do número total de votos. Resumindo: a Polícia Federal ficaria mais exposta às vontades do governo de turno, e trata-se de um órgão de Estado, não de governos.

Obviamente, nem toda mudança na Polícia Federal seria prejudicial. Pelo contrário, poderia modernizar sua estrutura interna e se alinhar com o modelo das principais polícias judiciárias do mundo. Um dos pontos centrais é a criação de carreira única, na qual todos servidores iniciam sua trajetória pela base e ascende por méritos. Dessa forma, ao chegar aos cargos de maior escalão teria um conhecimento mais aprofundado do funcionamento geral da PF.

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Essa mudança passa pela criação de uma Lei Orgânica da Polícia Federal com critérios objetivos para ascensão na carreira por meio de mérito. Além de privilegiar os servidores com melhores desempenhos para os cargos de maior escalão, evitaria a disputa interna entre grupos pela indicação pelos postos-chave, o que contempla menos de 20% de todos servidores. Assim, questões técnicas se sobreporiam a relações subjetivas e de amizade e compadrio, democratizaria as relações internas, proporcionaria mais motivação ao grupo como um todo e, acima de tudo, seria certamente um sistema muito mais justo.

*Susanna do Val Moore, agente de Polícia Federal, formada em Direito pela PUC-SP, instrutora de tiro na Academia Nacional da PF, é presidente do Sindicato dos Policiais Federais no Estado de São Paulo (Sindpolf/SP)

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