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O que esperar da conjuntura tributária em 2021?

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Por Vinicius Branco
Atualização:
Vinicius Branco. FOTO: DIVULGAÇÃO  

Montesquieu considerava absurda a ideia de se atribuir todos os males do mundo a uma fatalidade cega.

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O conhecido filósofo externou esse pensamento durante a Grande Peste de Marselha (1720/1722), que dizimou 30% da população da cidade.

De fato, soa mesmo insensato conceber a inexorabilidade do destino, e mais ainda nos dias de hoje, em que o homem dispõe de recursos tecnológicos cada vez mais avançados para lidar com o inesperado, e alterar o rumo das coisas.

O recente caso da Covid19 bem ilustra esse avanço. Em menos de um ano, desenvolveu-se um grande número de vacinas para estancar a pandemia e permitir o breve e esperado retorno à normalidade. Não fossem elas, a crise seria, com certeza, muito mais dramática.

Apesar dos méritos, esse avanço não chegou a tempo de evitar que o país se deparasse com enormes dificuldades econômicas, levando o governo a instituir o chamado auxílio emergencial para atender boa parte da população, comprometendo ainda mais a sua já delicada situação fiscal.

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Assim, ante uma reforma tributária tão anunciada que poderia amenizar esse quadro, mas que ainda não saiu do papel, e a impossibilidade de se cogitar aumento de impostos, coube à Justiça o papel de promover o equilíbrio das contas públicas.

A crescente preocupação das Cortes Superiores em relação às demandas tributárias tem sido notada desde 2016, data em que, coincidentemente, teve início a crise econômica que se estende até hoje, de forma ainda mais intensa durante o último ano.

Temas de extrema importância têm sido decididos através de julgamentos virtuais, de forma célere, sem qualquer debate entre os ministros, e com prejuízo do direito de defesa do contribuinte, impedido de sustentar oralmente e suscitar questões de ordem durante as sessões.

A ausência de argumentos jurídicos nos quais os ministros possam se apoiar para sustentar a posição do fisco tem levado à banalização da técnica de modulação das decisões, configurando grave desrespeito à ordem constitucional, pois isenta o governo de devolver integralmente o que foi injustamente retirado do contribuinte, durante longo período.

Justificativas econômicas - e não jurídicas - de toda a espécie servem como embasamento de votos, nos quais as necessidades financeiras dos entes públicos são colocadas acima das normas que lhes impõem limitações ao poder de tributar, tomando por pretexto a preservação de recursos destinados a atender demandas sociais.

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Estimativas e previsões catastróficas são reiteradamente invocadas pelo fisco em demandas que possam trazer fortes impactos nas contas públicas, colocando os juízes na difícil situação de escolher entre a sobrevivência do Estado ou do contribuinte; este, não raro, se vê surpreendido com a mudança súbita em jurisprudência até então sólida e pacífica, sentindo-se, com razão, vitimado pela insegurança jurídica.

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Essa tendência preocupa todos os que navegam na área do direito tributário, e que acreditam na força da lei e na independência das instituições, e nos leva a crer que a justiça tributária que se espera só voltará a ser feita quando o país se reerguer. Isso deve demorar até que a crise econômica seja efetivamente superada, com a retomada do nível de arrecadação.

Os fundamentos da severa crítica de Montesquieu continuam sólidos e consistentes. O errado não acontece por acaso, e há forças por trás desse mecanismo.

A manutenção de uma máquina governamental custosa, nem sempre voltada aos interesses da população, associada à pouca disposição do Poder Judiciário em deixar que o Poder Público aprenda sofrendo, perpetua decisões apoiadas em argumentos puramente econômicos, atenuando o rigor da lei em nome da sobrevivência do Estado.

Se isso servir como conforto, lembremo-nos que as crises, quaisquer que sejam, também trazem avanços, por mais paradoxal que isso possa parecer.

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Explica-se: quanto mais aguda ela for, maior a pressão sobre o Legislativo para que promova a revisão de normas incompatíveis com a nossa realidade, e aprove aquelas que interessem à sociedade, como a tão esperada reforma tributária.

De fato, não fosse a crise, seria bem provável que o governo continuasse acomodado durante muitos anos ainda, sem o ônus de ter que lidar com questão tão espinhosa.

Afinal de contas, segundo o dito popular, há males que vêm para bem.

A nós mortais, só resta esperar que esse mal seja breve, e que o bem seja perene.

Como diria Montesquieu, quem sobreviver à crise, verá.

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*Vinicius Branco, sócio da área Tributária do Escritório Levy & Salomão Advogados

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