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O Projeto de Lei 1360/21, seus impactos na ótica de direitos humanos e na atuação da Polícia Judiciária

Por Raquel Kobashi Gallinati e Juliana Ribeiro
Atualização:
Raquel Kobashi Gallinati e Juliana Ribeiro. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 1360/2021, que cria mecanismos para prevenção e enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes. De autoria das deputadas Alê Silva (PSL-MG), Carla Zambelli (PSL-SP) e Jaqueline Cassol (PP-RO), a proposta prevê a adoção de medidas protetivas como o afastamento do agressor e assistência às vítimas em centros de atendimento ou espaços de acolhimento. A matéria segue agora em análise no Senado.

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Motivado por casos de violência extremamente graves cometidos contra crianças, constantemente veiculados pela imprensa, propõe uma releitura e um aprofundamento do artigo 130 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que não atendia mais aos anseios e à problemática relacionada às vítimas, já que protegia apenas contra situações de maus tratos e crimes sexuais, com o emprego apenas da medida de afastamento do lar e da provisão de alimentos.

O PL 1360/21, então, espelhou-se na legislação pertinente a mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, inclusive na preocupação conceitual ampliada de violência doméstica e familiar, e na semelhança dos mecanismos de proteção para adolescentes e crianças.

Estão previstos como medidas protetivas o afastamento do agressor do lar, a proibição de contato, a obrigação de participação em cursos e acompanhamentos psicológicos sobre o tema, entre outros.

Além das medidas, prevê aumento de pena para os crimes: Abandono de incapaz (art. 133 CP), maus tratos (art. 136 CP); bem como inova na tipificação do crime de infanticídio fora do estado puerperal, no parágrafo único do artigo 123 CP.

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Sob a ótica institucional, de forma geral, há dispositivos muito positivos para a Polícia Civil e para a atuação dos delegados de polícia, decorrente da especialidade do atendimento da criança e do adolescente.

A previsão de criação de delegacias especializadas, cujos quadros sejam também especialistas no atendimento, certamente privilegia a atividade investigativa da Polícia Judiciária e proporciona uma melhor prestação de serviço policial à sociedade.

Porém, a realidade de sucateamento da Polícia Civil paulista precisa ser levada em conta no projeto de lei, a fim de proporcionar as condições concretas de trabalho para o atendimento das demandas tão sensíveis.

Tornar obrigatória a contratação de novos policiais por meio de novos concursos públicos, para suprir a demanda, pode ser uma solução viável, pois impede que a administração pública retire policiais de outras áreas também necessárias para cumprir a nova determinação legal: o tão conhecido "cobertor curto".

Além disso, prever a obrigatoriedade de apontamento orçamentário, pelas secretarias de segurança, para estrutura física e formação adequada dos policiais é uma solução que o projeto de lei pode indicar, para garantir a boa prestação de serviço à população.

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Observa-se, contudo, alguns dispositivos aptos a causar tribulações no momento do atendimento policial, considerando a sensibilidade necessária para atuar diante da dor e do medo que as vítimas vivenciam no calor dos fatos.

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E, especialmente, as vítimas crianças e adolescentes vivenciam dramas singulares, notadamente decorrentes de: a) da condição especial de incapacidade civil das vítimas; b) de serem, em maioria, dependentes materialmente/economicamente de seus agressores; c) da previsão, como modelo basilar da proteção, o afastamento do lar do agressor e a proteção policial.

Deve-se atentar que as formações familiares apresentam realidades distintas, nas quais a proteção de uma criança não se realiza, necessariamente, com o afastamento do lar do agressor. Se, por exemplo, a mãe for a agressora e a família for composta por ela, mãe/agressora, e filhos de idades variadas, o afastamento dela implica uma problemática psicossocial.

A "proteção policial" da criança e do adolescente vítima, também prevista, não é apta a proteger as vítimas, seguindo o mesmo o exemplo citado. Por proteção policial pode-se vislumbrar a manutenção da vítima na delegacia, por tempo indeterminado, ou a instalação de escolta policial residencial, por tempo indeterminado. Ambas são patentemente inadequadas.

Primeiro porque nunca haverá instalação adequada para proteção de crianças em delegacias, desprovidas de estrutura, alimentação e ambiente de atividades para elas. Segundo porque, na hipótese de necessidade de escolta domiciliar na residência da criança/adolescente, a análise de risco pode sopesar mais problemas de risco ambiental, clamando pela atuação dos grupos especiais, desprovidos de capacitação para atuação na proteção de crianças e adolescentes, do que por problemas de risco decorrentes do caso concreto.

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A sociedade brasileira já conta com serviço público executado por órgãos governamentais e/ou não governamentais, especialistas no atendimento e acolhimento de crianças e adolescentes vulneráveis, quanto à exposição a risco decorrente da prática de atos infracionais, que pode (e deve) ser aproveitado para amparar as crianças e adolescentes vítimas, inaugurando uma nova ótica de proteção estatal.

O projeto de lei 1360/21 tem a oportunidade de tecer uma rede de defesa dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes vítimas de violências, aproveitando redes já existentes, com o primeiro laço na delegacia de polícia, o segundo laço nas entidades de acolhimento especializadas, tais como os Conselhos Tutelares, e demais laços no poder judiciário, e etc.

Nosso país pode avançar nas políticas públicas de direitos humanos, a partir do aprimoramento e aprovação desse importante projeto de lei.

*Raquel Kobashi Gallinati, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia de São Paulo (Sindpesp) e diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol do Brasil)

*Juliana Ribeiro, diretora do Sindicato dos Delegados de Polícia de São Paulo (Sindpesp)

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