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O Projeto de Lei 1.179/20 e os impactos na LGPD

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Por Rodrigo Caldas de Carvalho Borges
Atualização:
Rodrigo Caldas de Carvalho Borges. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Na última semana foi aprovado pelo Senado o Projeto de Lei n 1.179 de 2020 ("PL1179/20"), de autoria do senador Antônio Anastasia, que visa estabelecer um Regime Jurídico Emergencial e Transitório para tratar de várias questões de Direito Privado decorrentes do período excepcional de calamidade pública causada pela pandemia do coronavírus. O projeto agora segue para a Câmara dos Deputados, com expectativa de análise e votação ainda nesta semana.

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Na justificação, o autor do PL1179/20 afirma ser necessária a adoção de medidas emergenciais de modo a preservar as relações jurídicas e proteger os vulneráveis, em razão dos impactos econômicos e sociais causados pela pandemia do coronavírus.

Dentre os relevantes temas tratados no referido Projeto de Lei, encontra-se o adiamento da entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018 - "LGPD"), que até então está prevista para agosto de 2020. Em sua redação original, o PL propunha um prazo adicional de 12 meses para o início da vigência da LGPD, sob a justificativa de "não onerar as empresas em face das enormes dificuldades técnicas econômicas advindas da pandemia".

Vale lembrar que a LGPD, que dispõe sobre o regime de proteção de dados pessoais no Brasil, foi publicada em 14 de agosto de 2018 e já previa um prazo de 24 meses para sua entrada em vigor, justamente para que as empresas tivessem prazo hábil para se adaptar às novas práticas de tratamento de dados pessoais, em linha com os parâmetros internacionais e sobretudo com o disposto pela legislação europeia (General Data Protection Regulation).

O PL foi relatado pela Senadora Simone Tebet e teve seu parecer aprovado no Senado na última semana, após a apreciação das Emendas n 20, 25, 30, 43, 59, 75 e 79, com alteração da redação original do PL1.179/20 no que tange à prorrogação da LGPD. A redação aprovada pelos senadores estabelece o adiamento da entrada em vigor dos dispositivos da LGPD para 1 de janeiro de 2021 e, especificamente em relação à aplicação das sanções administrativas estabelecidas nos artigos 52 ao 54 da LGPD, o adiamento até 1 de agosto de 2021, sob a mesma justificativa apresentada pelo autor.

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É inegável o impacto econômico trazido pela pandemia do coronavírus, sendo razoável e necessário que o Legislativo proponha alternativas para mitigar os efeitos da crise de saúde pública e desonerar empresas, inclusive em busca da manutenção dos empregos e atividades. Contudo, o descasamento proposto pelo Senado com o início parcial de vigência da LGPD em determinada data e as sanções administrativas em outra, pode gerar uma aparente imagem de flexibilização e segurança, quando, na prática, a situação deve se desenvolver de outra forma.

Mesmo antes da entrada em vigor da LGPD, o tema da privacidade e proteção de dados já tem se intensificado no meio jurídico, com diversos processos administrativos e judiciais propostos nos últimos anos por autoridades como a Secretaria Nacional do Consumidor ("Senacon"), o Ministério Público e algumas associações civis. Nesses casos, embora a LGPD não possa ser aplicada por não estar em vigor - sob pena de violação ao princípio da legalidade - muitas vezes tem seus princípios e disposições indicados para contextualizar as pretensões e posições de tais órgãos.

Assim, uma vez em vigor na forma proposta pelo PL1179/20 aprovado no Senado - com o adiamento da aplicação das sanções administrativas dos artigos 52 ao 54 da LGPD por prazo superior - não se pode falar em efetiva desoneração das empresas. Isso porque, a partir de 1 de janeiro de 2021, as obrigações impostas pela LGPD passariam a ser exigíveis e, portanto, sujeitas a penalidades quando descumpridas, ainda que as sanções sejam embasadas em outras normas, como o Código Civil, Código de Defesa do Consumidor, entre outros, com ações de responsabilidade e até penalidades administrativas.

É inegável a importância da LGPD e a necessidade de um regramento claro sobre a proteção de dados no Brasil. No entanto, a redação do PL1179/2020 encaminhada à Câmara dos Deputados gera questionamento quanto a justificativa para a definição de prazos distintos para a entrada em vigor de dispositivos da LGPD e a eficácia do modelo proposto.

Ao estabelecer um regramento específico acerca do tratamento de dados pessoais, a LGPD demanda um intenso trabalho e investimento das empresas para operacionalização de mecanismos previstos na lei.

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Se a intenção, como exposto na justificativa do relatório aprovado no Senado, é prorrogar o prazo de adequação à LGPD neste cenário extraordinário causado pela pandemia do coronavírus e seus efeitos econômicos, caso aprovado o PL1179/20 pela Câmara, a definição de um prazo mais longo para a vigência das sanções administrativas não afastará a necessidade de adequação total das empresas à LGPD até 1.º de janeiro de 2021, sob pena de, a partir dessa data, responder por seu descumprimento com base em outras normas vigentes.

*Rodrigo Caldas de Carvalho Borges, sócio no CB Associados e membro fundador da Oxford Blockchain Foundation

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