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O princípio da boa administração e o compliance no combate à corrupção

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Por Fabrício José Cavalcanti
Atualização:
Fabrício José Cavalcanti. FOTO: INAC/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O fenômeno social e cultural da corrupção afeta o mundo inteiro, particularmente, oEstado brasileiro, onde decorre da prática de atos de improbidade administrativa cometidos intencionalmente contra a coisa pública e desvirtua a essência estatal, que é o alcance do bem comum. Suas consequências são gravíssimas, sentidas diretamente pelo povo, como ineficiência ou falta de implementação de direitos fundamentais sociais relacionados à saúde, educação, segurança pública, infraestrutura, alimentação, moradia e tantos outros.

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No Brasil, a corrupção já vem de algum tempo, desde a chegada dos portugueses em nosso território, do descobrimento ao período colonial, da monarquia à república, até aos dias atuais. Exemplos de escândalos de corrupção pós redemocratização não faltam, como são os conhecidos casos dos Vampiros, Sanguessugas, Mensalão e, mais recentemente, relacionados à operação Lava Jato.

Em razão deste quadro lastimável, questiona-se: como fazer uma revolução ética e moral em nosso país, que repercuta na conduta das pessoas e, principalmente, no comportamento dos administradores públicos?

Por certo, nada precisa ser inventado, como num passe de mágicas, basta aplicarmos nosso ordenamento jurídico, tendo como ápice da pirâmide de organização social a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, com seus princípios basilares.

Como se sabe, nossa atual Carta Constitucional deu grande ênfase ao enfretamento da corrupção, ao estabelecer princípios para a administração pública, como legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, além de fortalecer instituições vitais para a sociedade, o que é o caso do Ministério Público, o qual passou a ter autonomia funcional e administrativa, e, seus membros, prerrogativas de garantias vitais.

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Sob este enfoque, o combate à corrupção depende do cumprimento dos princípios constitucionais pelos administradores públicos, o que está intimamente relacionado ao exercício de cidadania e dignidade da pessoa humana, para que tenhamos uma verdadeira democracia, onde os princípios republicanos sejam efetivamente observados.

Segundo Canotilho, renomado constitucionalista lusitano, princípios são ordenações que se irradiam por todo o sistema de normas; começam por ser a base de normas jurídicas e podem estar ou não positivados em leis, mas são normas-princípios a serem cumpridas.[1] Isto significa, no ordenamento jurídico brasileiro em razão do princípio da moralidade, aquilo que for imoral, também será ilegal.

Cabe mencionar a existência de outros princípios constitucionais da administração pública não escritos nominalmente na Constituição Federal, o que é o caso do princípio da boa administração, caminho seguro para um efetivo combate à corrupção, que tem por objetivo essencial ditar que a escolha dos meios e das oportunidades devam ser direcionados para que a administração pública logre os melhores resultados.

Este princípio, já é previsto expressamente na legislação portuguesa, através do novo Código de Procedimento Administrativo (CPA), que estabelece ser obrigação da administração pública pautar-se por critérios de eficiência, economicidade e celeridade, para tal ela deve ser organizada de modo a aproximar os serviços das populações e de forma desburocratizada.

Em nosso país, o princípio da boa administração está implícito constitucionalmente nos artigos 5ª (inciso LXXVIII), 37 e 70, que consagram a obrigatoriedade não só da eficiência, como da legitimidade, economicidade e celeridade.

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Como se sabe, a eficiência administrativa deve ser compreendida como a melhor realização possível da gestão dos interesses públicos, com a busca da total satisfação dos administrados, sempre com os menores custos para todos[2], o que está diretamente entrelaçado ao dever de bem administrar[3], o que faz surgir a obrigação de uma boa administração.

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Neste passo, a boa administração é uma exigência que se impõe nas modernas sociedades democráticas, por ser este princípio elementar da boa governança, com respeito dos direitos privados e utilização de métodos eficientes, com o emprego de meios adequados para a gestão pública.

Por esta razão, cabe ao Estado entregar serviços públicos de qualidade e adequados, para que a administração pública funcione eficientemente, com economia e rapidez, salvaguardando todos os direitos e garantias constitucionais aos cidadãos.

Assim, o que se espera, na administração pública, é que seus agentes apresentem uma conduta exemplar, a ser seguida por toda a comunidade, com respeito a valores éticos e morais, comprometidos com os princípios acima apontados, o que reforçará suas legitimidades.

Até porque, para a legitimidade ecoar firme e respaldar o adequado funcionamento do Estado Democrático de Direito, os Poderes estatais devem estar suficientemente respaldados pela confiança da coletividade, estando amparados em um mínimo de credibilidade popular.[4]

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No que diz respeito ao enfrentamento da corrupção, há de ser sustentado que se deve agir em dois flancos, preventiva e repressivamente.

O primeiro com o fortalecimento de valores éticos e morais, com ênfase na educação do povo. Vale aqui lembrar a existência de campanhas educativas, inclusive, algumas de iniciativa do próprio Ministério Público, como é o caso da intitulada: "O que você tem a ver com a corrupção?", esta idealizada pelo promotor de justiça catarinense Affonso Ghizzo Neto, que foi ganhadora da 2ª edição nacional do Prêmio Innovare. Referida campanha é direcionada à educação de crianças e adolescentes no sentido de destacar valores éticos e estimular as denúncias e a cobrança da sociedade contra a prática da corrupção. Esta campanha tem embasamento teórico na obra de Hannah Arendt[5], "Responsabilidade e Julgamento", que enaltece três formas de responsabilidade: 1) responsabilidade para com os própriosp atos, ou responsabilidade individual; 2) responsabilidade para com atos de terceiro, ou responsabilidade coletiva ou social; e, 3) a responsabilidade para com as gerações futuras a partir de um agir consciente. No mesmo caminho, pode-se destacar a criação do Instituto Não Aceito Corrupção, idealizado pelo procurador de justiça paulista Roberto Livianu. O INAC foi fundado em 2015, com a finalidade de concentrar esforços estruturados e focados no combate inteligente e estratégico à corrupção, com a utilização como principais ferramentas de trabalho: o Direito, a Ciência Política, a Estatística e a Comunicação. Suas quatro frentes de atuação são pesquisa, políticas públicas, educação e mobilização da sociedade. Já, a segunda forma de combate à corrupção é a repressiva, que intervêm na imposição de sanções penais, cíveis e administrativas aos transgressores, visando punir os agentes desonestos.[6] Significa dizer, aqueles que não derem cumprimento as premissas obrigatórias estarão sujeitos à imposição, pelos órgãos de controle, das sanções estabelecidas para cada conduta inserida como ato de corrupção. Além dos dispositivos que já existiam no Código Penal, que tipificam os crimes de corrupção (artigos 317 e 333), o grande marco legal, no Brasil, foi a instituição da Lei 8.429/92, que enumera os atos de improbidade administrativa, propriamente ditos e suas sanções.

Posteriormente, surgiu a Lei n. 12.846/13, denominada de lei anticorrupção, que estabelece responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública. Esta legislação concebeu um instrumento de cooperação entre o setor público e o privado, com a finalidade de coibir condutas ilegais no âmbito dos contratos administrativos, chamado compliance, que tem em sua essência a função de atuar preventiva ou repressivamente no combate à corrupção.

O significado de compliance decorre do inglês, relativo ao verbo to comply, ou seja, agir de acordo com uma determinada regra, normativa ou comando legal, o que leva a pessoa a estar em conformidade com o ordenamento jurídico, inclusive, os regulamentos internos da corporação.

No contexto apresentado, modernamente, para que haja uma verdadeira revolução ética e moral, há de ser implantada políticas alicerçadas em práticas de compliance, o que certamente irá conduzir ao cumprimento das normas constitucionais e legais, com a finalidade de evitar frequentes casos de corrupção em nosso país.

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Para um combate eficaz a corrupção, a implantação de compliance mostra-se de significativa transcendência, ao mesmo tempo em que observância do princípio da boa administração deva ser realmente levado a sério, pelos responsáveis em implantar e concretizar políticas públicas adequadas.

Tudo isso, para evitar que não ocorram mais casos de má administração, como o recente e lastimável episódio de Manaus (janeiro/2021), onde os responsáveis pela gestão da saúde pública certamente tinham conhecimento de que faltaria oxigênio, o que, infelizmente, acabou acontecendo e resultou na perda de inúmeras vidas.

Ainda, cabe lembrar as várias operações do Ministério Público e polícias, Brasil afora, para investigar e coibir ocorrências de fraudes em compras de respiradores e contratos superfaturados na implantação de hospitais de campanha, durante a pandemia do Novo Coronavírus.

Portanto, a reponsabilidade dos governantes é enorme, conforme mencionado acima, porém, de suma importância no combate à corrupção, além de mais investimentos na Educação do povo, é a conscientização dos eleitores para que no ato do exercício do sagrado direito de voto escolham pessoas íntegras e probas a lhes representarem.

Mas, pouco importam todas estas reflexões, todo o arcabouço de normas e princípios se a impunidade prevalecer, se aqueles que deveriam dar o exemplo continuarem a assaltar os cofres públicos e nada lhes acontecer, fato que, incontestavelmente, poderá colocar em risco o próprio Estado Democrático de Direito.

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[1] CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Ed., 1991. p. 49.

[2] NETO, D. F. M., Curso de Direito Administrativo, p. 115

[3] DIAS, J. A. Princípio da eficiência e moralidade administrativa, p. 83

[4] CAVALCANTI, Fabrício J. O Supremo Tribunal Federal e as diversas crises brasileiras. Florianópolis: Habitus, 2020, p. 58.

[5] ARENDT. Hannah. Responsabilidade e Julgamento. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 162-164.

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[6] CAVALCANTI, Fabrício J.  O Ministério Público e o combate a improbidade administrativa... Leme: Editora Cronu, 2009, pp. 40/41.

*Fabrício José Cavalcanti, promotor de Justiça no Estado de Santa Catarina, especialista em Direito Constitucional pela UNISUL, mestre em Filosofia, História e Teoria do Direito pela UFSC e doutorando em Direito pela Universidade de Lisboa/Portugal

Este artigo faz parte de uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), com publicação periódica. Acesse aqui todos os artigos.

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