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O princípio da anualidade eleitoral e a vedação à propaganda institucional: reflexões acerca da Lei nº 14.356/22

Por Hélio Freitas de Carvalho da Silveira , Marcelo Santiago de Pádua Andrade , Marco Antônio Riechelmann Júnior e Lucas Bortolozzo Clemente
Atualização:
Supremo Tribunal Federal. FOTO: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO Foto: Estadão

Em que pese a previsão do art. 16 do texto da Constituição Federal, foi sancionada, pelo Sr. Presidente da República, no último dia 31 de maio, a Lei nº 14.356/22. Essa nova norma alterou a Lei nº 9.504/97 no dispositivo que trata das condutas vedadas aos agentes públicos, que é o rol de ações que os agentes políticos e servidores públicos não podem praticar por um lapso de tempo anterior às eleições, justamente para que o Poder Público não as influencie indevidamente.

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As vedações expressas nos artigos 73 a 77 da Lei das Eleições protegem a legitimidade do pleito frente ao grande potencial do Estado em incidir na vontade popular, como pela inauguração de obras, nomeação ou exoneração de cargos, pronunciamentos em cadeia de rádio/televisão e realização de publicidade institucional nos três meses antes das eleições.

A nova redação dada ao art. 73, VII, da Lei n 9.504/97 modificou a forma como os governos poderão gastar com publicidade institucional nos anos eleitorais. Se antes era contabilizada pela média das despesas dos primeiros semestres dos anos anteriores ao pleito, agora será permitido o empenho de seis vezes a média mensal dos valores nos três anos pregressos, com o reajuste da cifra pelo IPCA.

Eventual aumento dos valores que os atuais mandatários - muitos deles candidatos à reeleição - poderão dispender em propaganda institucional, ressaltando seus feitos administrativos e impulsionando pronunciamentos laudatórios sobre si próprios, afeta o processo eleitoral. Com a nova legislação, os atuais detentores de mandato no Poder Executivo serão beneficiados, ocasionando grave desequilíbrio na disputa.

O próprio sentido da norma está sendo violado. É necessário lembrar que a contenção das ações governamentais no pleito eleitoral é uma construção de muitos anos. O rol previsto na Lei nº 9.504/97, inclusive, atendia a necessidade de adequação da legislação eleitoral para as primeiras eleições gerais com a possibilidade de reeleição, decorrente da EC nº 16/97.

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E se o sentido da norma proibitiva é a proteção a potencial desequilíbrio do pleito, é forçoso concluir que a nova lei tem relação direta com o processo eleitoral. Não é racional que, no último ano de governo, se permitam gastos de montanhas de dinheiro com propaganda das ações governamentais.

Mas é preciso considerar especialmente, no caso, o art. 16 da Constituição Federal. Para que as eleições sejam as mais íntegras possíveis, é fundamental a garantia da segurança jurídica para todos aqueles que as disputam. A possibilidade de alterações das regras do jogo durante o seu curso dá margem para casuísmos e arbitrariedades, desequilibrando a isonomia que deve permear a corrida eleitoral.

Com a promulgação da Constituição de 1988, consagrou-se o princípio da anualidade eleitoral. O dispositivo é sucedâneo do princípio da legalidade, com vistas a impedir alterações legislativas ao sabor das conveniências políticas do momento. Embora tenha sofrido alterações pela EC nº 4/93, estas se deram apenas para deixar mais claro seu entendimento e aplicabilidade.

Assim, constitui-se como garantia não apenas para os competidores do pleito, mas também para os cidadãos-eleitores. Isso porque que as modificações das regras no curso do processo eleitoral podem resultar em desvio de poder ou finalidade por buscarem atingir objetivo ilícito (benefício a determinado candidato) por meio lícito (alteração legislativa), como afirmou o Ministro Ricardo Lewandowski no julgamento da ADI 3.685/DF.

A prevalência deste dispositivo poderá ter implicações extremamente danosas para as eleições de 2022. Além de potencializar meios para abuso de poder, poderá acarretar o uso desarrazoado de dinheiro público em peças publicitárias em desrespeito aos ditames do art. 37, da Constituição Federal. E, certamente, ampliará a judicialização das disputas eleitorais.

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Certamente, o tema poderá vir a ser objeto de discussão perante o Supremo Tribunal Federal, no caso de algum dos legitimados para propositura de ação direta de inconstitucionalidade - mesas das Casas Legislativas, Procuradoria-Geral da República, Conselho Federal da OAB, partidos políticos - venha questionar a constitucionalidade dos dispositivos previstos na Lei nº 14.356/22 à luz do art. 16, da Constituição Federal.

A segurança jurídica e a proteção do pleito contra abusos de qualquer tipo são dogmas constitucionais que devem ser resguardados. A manutenção da lisura das eleições frente a força dos poderes instituídos é uma construção histórica da Justiça Eleitoral, partidos políticos e sociedade civil. Retrocessos incompatíveis com a Constituição não podem ser admitidos.

*Hélio Freitas de Carvalho da Silveira, Marcelo Santiago de Pádua Andrade, Marco Antônio Riechelmann Júnior e Lucas Bortolozzo Clemente são advogados em São Paulo

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