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O príncipe não está isento da lei

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Por William Douglas e Vítor Pimentel Pereira
Atualização:
William Douglas e Vítor Pimentel Pereira. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

No interior de São Paulo, na espetacular biblioteca de Antonio Cabrera, com mais de 63 mil volumes, em uma das centenas de prateleiras, repousa, discretamente, ainda que em tom peremptório, uma advertência do jesuíta espanhol Juan de Mariana (1536-1624): "O Príncipe não está isento da lei!".

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A afirmação que, contemporaneamente, pareceria redundante, em fins do medievo e início da Idade Moderna, era tida como bastante revolucionária. Nos dias de hoje, é óbvio que todos devemos obedecer às leis.

É importante explicar. Na teoria político-jurídica da época, ainda havia bastante espaço para a máxima vinda do direito romano "Princeps legibus solutus est" ("O Príncipe está isento das leis"), indicando que o governante, de cuja vontade emanavam as leis civis, não estaria por elas limitado, mas estaria situado acima delas. A tese prosperou e gerou filhotes, entrando pela era moderna para emanar concepções teóricas como a do absolutismo monárquico.

Juan de Mariana, porém, insurgiu-se contra este adágio, deixando claro, em sua obra de 1599, "De Rege et Regis Institutione" ("Sobre o rei e a instituição real"), que o monarca deveria ser o primeiro a se submeter às leis, dando assim exemplo a seus súditos. Aquele que desejasse manipular as normas a seu bel-prazer e se auto dispensasse de seu cumprimento seria, na verdade, um "tirano que subverte todo o Estado, se apodera de tudo por meios vis e não tem nenhum respeito pelas leis, pois estima que delas está isento".

Certamente, essa e outras ideias não caíram muito bem naquele tempo, rendendo ao autor espanhol um período de cárcere em Madrid. Seu livro sobre a monarquia foi queimado em praça pública em Paris, por veicular "posições subversivas" contra os governos de então.

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Diante disso, o que o pensamento desse velho jesuíta do século de ouro espanhol tem a nos dizer ainda hoje?

Devemos estar sempre vigilantes para as tentativas de quaisquer autoridades civis de se constituírem como "castas", pairando acima das leis, para quem as normas legais não são tão "gerais" assim. Ou pior ainda, para as tentativas de quaisquer autoridades que pretendem, valendo-se dos poderes recebidos para o serviço do bem comum, isentarem a si mesmas do cumprimento de regras jurídicas que lhes sejam incômodas, capturando as instituições estatais para servirem a seus próprios interesses.

Essa é uma tendência humana, demasiadamente humana: extrapolar o uso do poder, achando que pode interpretar as leis de acordo com suas próprias conveniências. Entre os antídotos para isso, o engenho político mais recente concebeu mecanismos como o sistema de freios e contrapesos, a liberdade de imprensa, a liberdade de reunião e a liberdade de pensamento e de sua expressão.

O arbítrio, o absolutismo e o autoritarismo podem ter mudado de mãos. Atualmente, no lugar de príncipes e déspotas, temos autoridades escolhidas como legítimas representantes do povo ou ainda titulares dos Poderes da República.O problema é que algumas dessas pessoas parecem se esquecer da máxima submissão às Leis e insistem em impor suas vontades sob pretexto do poder que exercem. Contudo, monarcas, presidentes, congressistas e ministros não estão isentos das leis.

Qualquer forma de tirania, longe de ser apenas um fantasma do passado, vive e caminha à espreita, independente da época. Portanto, devemos nos manter atentos, vigilantes e agindo com a devida cautela para que ela não volte a nos assombrar em pleno século XXI.

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*William Douglas é desembargador federal e integrante da turma de Direito Tributário do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF2). É professor, escritor, Mestre em Estado e Cidadania e pós-graduado em Políticas Públicas e Governo

*Vítor Pimentel Pereira é assessor jurídico junto ao Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF2), tendo atuado nas áreas de Direito Administrativo, Constitucional, Tributário, Processual Civil e Civil. É Mestre e Doutorando em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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