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O presidente da República possui foro privilegiado diante da abertura de inquérito para investigação de prática de crime de prevaricação?

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Por Luciana Zanchetta Oliver e Caio César Morato
Atualização:
Luciana Zanchetta Oliver e Caio César Morato. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Existem mais de 60 (sessenta) pedidos de impeachment contra o Chefe de Estado, desde o início de seu mandato, com crescimento acelerado no ano de 2020, vista à polarização política verificada no cenário nacional decorrente do modelo aplicado para gerir e implementar medidas públicas para solucionar e estabilizar a pandemia causada pelo Covid-19.

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Como consequência da crise havida no Governo, no dia 8 de abril de 2021, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso autorizou a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito do Covid-19 ("CPI da Pandemia) pelo Senado Federal, que possui prerrogativa constitucional para processar, investigar, julgar atos cometidos por agentes públicos por eventuais ilicitudes praticadas no exercício de seu cargo.

Tendo a pandemia como motivação, a CPI instaurada pelos Requerimentos números 1371/2021 e 1372/2021, objetiva obter esclarecimentos e apurar se houve falhas do Governo Federal na contenção da crise sanitária decorrente do Covid-19.

Após a 27ª Reunião da denominada "Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia", a Procuradoria Geral da República, por intermédio de pedido assinado pelo Vice-procurador-geral Humberto Jacques de Medeiros, requereu ao Supremo Tribunal Federal a abertura de Inquérito contra o Presidente Jair Bolsonaro para investigar o cometimento de eventual crime de prevaricação.

No pedido de abertura de Inquérito, a Procuradoria Geral da República alega que o Presidente da República teria recebido informações de que os contratos relacionados à compra das vacinas de determinado laboratório, por intermédio de terceiros, continha graves irregularidades.

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Os indícios estariam vinculados ao prazo de negociação, envolvimento de órgãos que compõem a administração pública direta, mais de 20 milhões de doses adquiridas e o valor desembolsado, que atinge R$ 1,6 Bilhões. A intenção do Ministério Público Federal também é investigar o caso, diante de denúncias que envolveriam a Polícia Federal nesta negociação.

A Ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber, Relatora da Petição nº 9.760-DF, atendendo ao pedido da Procuradoria Geral da República, autorizou a abertura do Inquérito para investigar eventual prática de crime de prevaricação pelo Presidente Jair Bolsonaro por entender que há suspeita de irregularidade funcional contra a Administração Pública, consistente no possível retardamento indevido de ato de ofício, para efeito de satisfazer interesse ou sentimento pessoal, a sugerir o enquadramento dessa eventual conduta no tipo penal descrito no artigo 319, do Código Penal.

Prevaricar, segundo o Código Penal, é o ato criminoso praticado com vistas a "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal".

Em outras palavras, o Chefe do Poder Executivo, mediante o uso de suas atribuições, para atender interesses particulares, teria retardado medidas que pudessem, desde logo, combater a pandemia do Covid-19.

A Ministra Relatora declarou que não incide, no caso, a imunidade penal temporária consagrada no artigo 86, parágrafo 4º, da Constituição Federal, que determina que "o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções". Isto porque, a imunidade constitucional, de acordo com a jurisprudência da Suprema Corte, seria aplicável tão somente no caso de crimes praticados em momento anterior à sua posse ou quando praticado durante o mandato, não guarde correlação com suas funções políticas. Logo, tendo o eventual crime sido praticado no exercício da função presidencial, a imunidade não é aplicável.

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Vale ainda ressaltar que se trata de processamento de mérito inquérito, isto é, de procedimento de investigação, com colheitas de provas, que tem por escopo tão somente verificar se existem elementos suficientes para a futura instauração de um processo penal.

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Diante desta situação, a Ministra Rosa Weber destacou que, neste momento, torna-se desnecessária a prévia autorização da Câmara dos Deputados. Isto porque, tal anuência é necessária tão somente para o processamento de futura ação penal ser eventualmente ajuizada, caso sejam encontrados indícios suficientes no decorrer do inquérito a ser instalado.

Nos casos de denúncia fundada em crime comum, excepcionalmente, compete ao Supremo Tribunal Federal decidir se receberá ou não a denúncia, após a autorização de dois terços dos membros da Câmara dos Deputados, ou seja, de 342 dos 513 deputados que compõem a casa.

A autorização pela Câmara dos Deputados tem por objetivo o exercício do Controle Político, que homenageia a Tripartição de Poderes, para que não haja excessos por qualquer deles no uso de suas atribuições. No caso, o controle tem por finalidade impedir que o investigado se torne perseguido por denúncias e processos.

Caso a Câmara dos Deputados não autorize a continuação da denúncia, haverá o arquivamento do Inquérito.

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É possível, ainda, que o crime apurado neste Inquérito, seja enquadrado como decorrente de ato de improbidade administrativa, mesmo sendo a prevaricação um crime comum. Ocasião em que deverá ser encaminhado para processamento e julgamento pelo Senado Federal, que é o Órgão competente para conhecer de crimes de responsabilidade.

Mas, se a Câmara dos Deputados autorizar o recebimento da denúncia, o Presidente da República será investigado, processado e julgado, sem foro privilegiado, mas perante o Supremo Tribunal Federal, mas com a suspensão de suas funções, conforme prevê o § 1º, do artigo 86, da Constituição Federal.

Se de um lado a medida de investigação possa parecer positiva, uma vez que busca tão somente fiscalizar os atos praticados pelo Presidente da República e assim garantir maior transparência e lisura aos atos de governo, em especial àqueles relacionados as medidas de combate à pandemia do Coronavírus, de outro lado há também possíveis impactos negativos.

O Brasil pode atravessar um terceiro processo de impeachment em menos de 30 (trinta) anos, o que demonstra uma grave instabilidade política no país, que é repudiada pelos investidores externos, podendo agravar ainda mais a crise econômica do país, pois, para os investidores e no cenário político internacional, nosso país demonstraria fragilidade e insegurança.

Outrossim, existem diversos projetos de reforma aguardando pauta para análise pelo Congresso Nacional, tais como a reforma tributária, a reforma administrativa e outros tendentes a viabilizar a desestatização de diversas empresas públicas. Todos esses projetos, a despeito de enfrentarem críticas da forma como apresentados há muito são aguardados pelos setores públicos e privados com vistas a impulsionar a economia.

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A instabilidade política e econômica brasileira é uma realidade inconteste que, muito embora tenha se agravado em razão da pandemia do Covid-19, também está colapsando, em razão da crise interna que tem se instalado no Poder Executivo e pela retração do Poder Legislativo em dar celeridade nas reformas legais e na baixa produtividade no desenvolvimento de Projetos de Lei que possam regulamentar Políticas Públicas para atendimento dos anseios sociais.

A abertura do Inquérito, com a ausência da imunidade por Foro Privilegiado, poderá, caso haja desdobramento em crime de responsabilidade, acirrar ainda mais a crise política, seja no âmbito nacional ou internacional. Todavia, se a denúncia tiver prosseguimento com o julgamento pela Suprema Corte, o Presidente da República poderá ter seus direitos políticos suspensos, sem que medidas extremas, como o impeachment tenha prosseguimento, cujo reflexo transporia nossas fronteiras.

Neste momento, a melhor solução para nosso país, é que as medidas judiciais sejam adotadas, com observância aos princípios constitucionais, internamente, como medida de aplicar a justiça, sem que haja repercussão mundial.

*Luciana Zanchetta Oliver é mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP e advogada do Rayes e Fagundes Advogados Associados

*Caio César Morato é mestre em Direito Tributário Internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e advogado tributarista no escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados

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