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O PL das Fake News e a sua míope visão da desinformação

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Por Caio César de Oliveira
Atualização:
Caio César de Oliveira. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

No dia 30 de junho passado, o Senado aprovou, por 44 votos contra 32, o Projeto de Lei nº 2.630/2020, que pretende criar a "Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet". O PL, apelidado de "Lei das Fake News", que agora está em análise na Câmara dos Deputados, tem proporcionado mais dúvidas do que certezas com relação à sua efetividade e tutela.

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O Projeto de Lei realmente combate a veiculação de notícias falsas? Diversas associações e especialistas já destacaram que não. Notas técnicas e pareceres apontam os riscos da aprovação de um Projeto de Lei repleto de conceitos imprecisos, retrocessos e tão impactante para a forma como acessamos e compartilhamos informações na Internet.

Dentre os muitos pontos levantados, a pressa para a aprovação de tal Projeto de Lei chama a atenção. Uma proposta tão drástica, que pode modificar a forma como acessamos e nos manifestamos na Internet deve ser cuidadosamente pensada, estudada e estruturada depois de devidamente sopesadas as relevantes contribuições de atores da sociedade civil, do setor público, privado e academia.

É sabido que a mentira sempre existiu. Não é de hoje que a desinformação está presente na sociedade. É sabido também que a Internet potencializou as formas de divulgação, retenção e recuperação de informações.

Bem por isso, não há dúvidas de que a Internet revolucionou os meios de comunicação e informação. É notório o poder de disseminação de informações e notícias na Internet. Na sociedade da informação, qualquer cidadão pode rapidamente se tornar um formador de opinião e isso pode representar um desafio quando não se consegue distinguir manifestações lícitas de ilícitas. Notícias reais, de manifestações fraudulentas, forjadas apenas para desinformar e polarizar e influenciar negativamente a tomada de decisão da sociedade.

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A livre manifestação do pensamento, opinião e expressão é garantida pela Constituição Federal Brasileira, sendo um importante pilar do Estado Democrático de Direito. Um dos pontos mais críticos do Projeto de Lei das Fake News é justamente fragilizar essa livre manifestação, pois o Projeto utiliza conceitos imprecisos, como "conta identificada", "conta inautêntica", "identificação em massa" e "rastreabilidade em massa", que mais atrapalham do que ajudam o entendimento a respeito do tema.

É possível observar que o PL das Fake News vai na contramão do que prevê a Lei 13.709/2018, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Isso porque o PL prevê a possibilidade de coleta de dados excessivos e desnecessários, como a previsão de apresentação de documento de identidade para que o usuário possa se cadastrar em redes sociais e aplicativos de mensagens.

Ademais, o PL cria para as empresas a obrigação de monitorar contas inautênticas e disseminadores artificiais, podendo ser sancionadas caso descumpram com essa determinação. Na prática, essa previsão, além de inviável, contraria o que estabelece o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) que já prevê, em seu artigo 19, o procedimento para a remoção de conteúdo na Internet, sendo certo que o modelo que consta de tal artigo foi devidamente pensado para "assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura".

De acordo com o modelo previsto pelo Marco Civil, os provedores de aplicação somente serão responsabilizados civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente. Tal disposição é importante para delegar ao Judiciário a missão de ponderar direitos fundamentais.

Isso não significa que os próprios provedores não possam, por sua iniciativa, remover conteúdo que viole as suas políticas. Pelo contrário. A liberdade contratual permite aos entes privados que formulem as suas próprias políticas e realizem a sua fiscalização interna a fim de evitar a veiculação de conteúdo que desrespeite as suas regras internas.

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Um exemplo de tal atuação é a remoção de perfis realizada pela rede social Facebook. A rede social, com base em suas Políticas, realiza tais remoções com base na análise do comportamento dos perfis - e não no conteúdo. Além disso, é notória a transparência dada por essa e por outras empresas do setor de Internet, que publicam regularmente relatórios de transparência a respeito de remoções de conteúdo.

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Por esses e outros motivos é que se questiona se o Projeto de Lei será realmente efetivo para combater a disseminação de notícias falsas. Pela análise da redação, é possível notar que o PL é míope. Isso porque, o foco está nas plataformas e não no comportamento daqueles que são beneficiados por tal conduta.

Uma das formas mais eficientes de combater o comportamento ilícito é "seguir o dinheiro". Combater as empresas e os financiadores envolvidos na criação e disseminação de notícias falsas e não os meios e as plataformas utilizadas para tanto.

Nenhuma lei será capaz de impedir totalmente a disseminação de notícias falsas na Sociedade da Informação. Bem por isso, além de combater os financiadores, a desinformação deve ser repelida com mais informação, com informação de qualidade e medidas para o incentivo à checagem de fatos e análise crítica de conteúdo.

Atualmente o Projeto de Lei está sendo apreciado pela Câmara dos Deputados, que agendou ao menos dez sessões virtuais para proporcionar o debate a respeito do tema. Espera-se que a Câmara dos Deputados possa aproveitar os debates para ajustar a visão a respeito da desinformação e, assim, possa analisar com acuidade um marco normativo que possui um potencial tão danoso e que, até o momento, representa um retrocesso para o acesso à Internet no Brasil.

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*Caio César de Oliveira é um dos diretores do Digital Rights. Mestre em Direito pela USP. Advogado com atuação especializada em Direito Digital, Privacidade e Proteção de Dados Pessoais em Leonardi Advogados

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