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O perigo do revisionismo histórico autocrático para a paz mundial

Por Deijenane Santos
Atualização:
Deijenane Santos. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O revisionismo histórico de autocratas com inclinações imperialistas é responsável por grandes tragédias ao longo da história humana. Em épocas mais recentes, a catástrofe da guerra foi o meio utilizado por líderes ávidos pela conquista territorial e pelo domínio dos povos, a exemplo do regime nazista de Adolf Hitler, da Guerra da Bósnia (1992-1995), perpetrada principalmente pelo sérvio Slobodan Milosevic e, recentemente, pela invasão da Ucrânia liderada por Vladimir Putin.

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Adepto do conceito da Geografia Política conhecido como Lebensraum (Espaço Vital) de autoria de Friedrich Ratzel, Hitler acreditava que a Alemanha Nazista deveria dominar territórios tidos como essenciais para o progresso do Terceiro Reich e foi exatamente esse tipo de pensamento que o levou a anexar os Sudetos na antiga Tchecoslováquia, em 1938, região rica em minérios, e de quebra, unir-se à população local de etnia alemã.

Além da motivação do Espaço Vital, os avanços territoriais de Hitler também eram resultado de um revanchismo alemão, em decorrência das punições infligidas à Alemanha pelo Tratado de Versalhes (1919), após a Primeira Guerra Mundial. Na visão de Hitler, o interesse alemão em reconquistar os territórios perdidos era legítimo, a Alemanha não poderia se curvar aos seus inimigos. Em razão do imperialismo do Terceiro Reich, o mundo mergulhou no maior conflito já testemunhado pela humanidade, a Segunda Guerra Mundial.

No início dos anos de 1990, a comunidade internacional assistiria ao esfacelamento da antiga Iugoslávia. A Guerra da Bósnia trouxe a carnificina para o horário nobre e milhões de pessoas acompanharam o maior e mais sangrento conflito fraticida de que a Europa teve notícia. Por certo que todos os lados (sérvios, bósnios e croatas) envolvidos no conflito cometeram inúmeras atrocidades, mas há quase um consenso entre os estudiosos do assunto no que tange à responsabilidade da Sérvia e de seu líder, Milosevic, pelas maiores crueldades da guerra.

O nacionalismo revisionista de Milosevic não só desmembrou o que sobrara da Iugoslávia após a morte do marechal Tito, como também deu início aquele que seria o maior conflito na Europa no pós-Segunda Guerra. A partir da década de 1990, Milosevic estaria disposto a colocar em prática o seu plano revisionista de criar uma grande Sérvia, livre de quaisquer outras etnias. Quando a Bósnia-Herzegovina, região na qual habitavam sérvios, croatas e muçulmanos (bosníacos), decidiu se separar da antiga Iugoslávia, a exemplo de Eslovênia, Croácia e Macedônia, os sérvios, contrários à ideia, atacaram a população da Bósnia e deram início à guerra.

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Acredita-se que cerca de 200 mil pessoas tenham morrido nesse conflito, principalmente bosníacos, lado mais perseguido pelos sérvios. A milícia de Milosevic, liderada por Ratko Mladic, conhecido como o Carniceiro dos Bálcãs, aterrorizou a população da cidade de Sarajevo, capital da Bósnia durante o maior cerco da história militar moderna. Os habitantes da cidade eram alvejados por snipers e por bombas da milícia sérvia dia e noite, um verdadeiro inferno na terra. Com a guerra da Bósnia, a Europa voltou a ver campos de concentração e imagens de homens emagrecidos e amedrontados foram transmitidas pela imprensa para o mundo.

Testemunhou-se ainda a Limpeza Étnica (expulsão em massa de bósnios e croatas de suas terras, além de assassinatos e estupros por parte principalmente dos sérvios) e o Genocídio de Srebrenica (1995) no qual entre sete e oito mil homens e meninos bósnios foram mortos pela milícia sérvia. Puro terror diante dos olhos do mundo.

Veja-se o caso mais recente, a invasão ucraniana pelo exército russo de Vladimir Putin. O mundo está refém de um homem que não mede esforços para alcançar seus objetivos imperialistas. Putin deseja a volta do antigo Império Russo dos czares e acredita no protagonismo da Grande Mãe Rússia, uma idealização que vê a Rússia como uma nação que deve ser protagonista no cenário mundial. Putin é a história que se repete, é o tirano com anseios imperialistas que não obedece a quaisquer regras do jogo internacional.

Um autocrata revisionista, amante da tirania, tirania sobre seu povo, tirania sobre a Ucrânia, Estado soberano que, segundo Putin, é parte integrante da Grande Mãe Rússia, quando historicamente, a Ucrânia é muito mais antiga como Estado do que a própria Rússia. Aliás, a guerra de Putin não acontece apenas em solo ucraniano, mas nas mentes e corações, especialmente dos cidadãos russos. A mentira e a manipulação são armas usadas por Putin para manter uma narrativa falaciosa no que tange ao conflito que assola a Ucrânia.

Como um típico autocrata revisionista, Putin não deve parar na Ucrânia, mas deve seguir com suas tentativas de conquista das nações as quais ele considera parte da Rússia. A história não está tão distante quando se trata de líderes imperialistas, o sofrimento causado por estes tiranos também não está distante das populações que são suas vítimas. Infelizmente, Putin está disposto a enfrentar qualquer obstáculo que possa atrapalhar o seu projeto de império. Eis o perigo do revisionismo de um autocrata para a paz mundial.

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*Deijenane Santos, mestre em Ciência Políticas e docente do curso de Relações Internacionais da Estácio

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