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O perdão de dívidas está sujeito ao pagamento de impostos?

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Por Daniel Calderon
Atualização:

É muito comum as pessoas físicas contraírem dívidas. Muito habitual também, sem a intenção de não querer quitá-las, as pessoas ficarem inadimplentes com os seus débitos. E, ao longo do tempo, é natural que surjam oportunidades de renegociação destas dívidas e, consequentemente, da diminuição dos valores, com o perdão parcial ou até mesmo o perdão total da obrigação.

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Mas o perdão parcial ou total de dívida das pessoas físicas está sujeito à tributação? E no caso do perdão de dívidas entre familiares?

O simples perdão da dívida para uma pessoa física é considerado como rendimento isento para Imposto de Renda (IR). Está disposto no Regulamento do IR - RIR/2018, Artigo 47, inciso I e há, nesse sentido também, a Solução de Consulta - Cosit nº 70 de 2013.

Digamos que uma pessoa física contraiu uma dívida com outra pessoa física ou jurídica, que por sua vez foi perdoada sem exigência de qualquer contraprestação. Essa anistia é considerada isenta de IR para o devedor. Poderá essa dívida ser baixada de sua Declaração de Ajuste Anual ("Dívidas e Ônus Reais"), sem que tenha que oferecer à tributação o valor respectivo.

Desta forma, competirá ao devedor, a partir do exercício em que proceder à exclusão da dívida de sua DIRPF, manter durante o prazo legal, para exibição ao Fisco Federal, a documentação comprobatória da operação e de outros elementos que se fizerem necessários. Assim, poderá comprovar a ausência de quitação e de prestação de serviços ao credor, além da inexistência de qualquer ação ou execução relacionada com a dívida em questão.

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Aqui vem o fator importante. Os valores com que for beneficiado o devedor, nos casos de cancelamento da dívida, em troca de serviços prestados, serão sujeitos à tributação no mês em que os serviços forem prestados. Por exemplo, se alguém tem a sua dívida perdoada, mas para que isso ocorra tem que prestar um serviço, essa sua contraprestação deverá ser tributada.

É importante, de fato, entender como procede o pagamento da dívida. É possível pensar em uma pessoa física que contrai um empréstimo com um banco de R$ 100 mil e, após exaustiva negociação, essa dívida nominal cai para R$ 60 mil. Efetivamente, os R$ 40 mil perdoados são isentos de IR. Já outro exemplo consiste em uma pessoa física que contrai uma dívida com o seu amigo de infância no valor de R$ 40 mil. A pessoa devedora passa por sérias dificuldades financeiras e o seu amigo, por outro lado, se tornou um grande empresário. Num simples gesto, o empresário amigo perdoa a obrigação. Esse perdão, para o devedor, é de forma clara e objetiva isento de Imposto de Renda.

Entretanto, o que não podemos caracterizar como dívida? O seguinte exemplo talvez seja o mais comum. Um pai empresta R$ 300 mil para seu filho comprar um apartamento, não cobra juros e nem estipula um prazo para devolução. Na prática, não há intenção do filho de devolver o valor. Portanto, trata-se de uma doação travestida de empréstimo. O que o pai realmente fez foi uma doação e caracterizou o valor como um empréstimo para, nesse caso, fugir de outro imposto que seria devido, o famoso Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), o tributo sobre doação cobrado pelo Estado.

Em geral, esses casos são decorrentes de empréstimos familiares, que são perdoados, mas equivalem a uma doação, pois nunca houve intenção de serem devolvidos. O tema passa a ter relação com o ITCMD e, não mais, com o Imposto de Renda.

Na maioria dos processos, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) tem decidido que incide ICMD quando há perdão de dívidas. Em geral, são casos decorrentes destes empréstimos entre familiares. No Estado de São Paulo, a alíquota é de 4% sobre o valor da transação.

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Os contribuintes alegam que o perdão de dívida e a doação são distintos. O perdão de dívidas está no capítulo sobre adimplemento e extinção das obrigações, no artigo 385, do Código Civil. Já a doação encontra-se no capítulo de contratos, no artigo 538. Além disso, alegam não haver disposição legal que trate da equivalência do perdão com a doação. Porém, o que se tem no final são disfarces de empréstimos. Isso faz com que seja legítima a cobrança do imposto estadual.

Vale ainda lembrar que, nos casos em que se trata de empréstimo comprovado e genuíno, não deve ocorrer a cobrança do imposto.

A lição que fica é a da necessidade de cuidado com o tema, tanto na esfera federal, como na estadual, para promover a correta adequação da finalidade em que se é dado tal evento patrimonial.

*Daniel Calderon é contador, advogado, empresário da área contábil e tributária e sócio da Calderon Contabilidade

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