Flavio Goldberg*
20 de maio de 2020 | 07h30
Flavio Goldberg. FOTO: ARQUIVO PESSOAL
A Constituição da República no seu artigo 142 discrimina os limites e a abrangência jurídica e fática das Forças Armadas no instituto da Nação.
“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”.
Como todo corpo vivo este instrumento de extraordinário poder que se manifesta através do Exército, Marinha e Aeronáutica, sofre as mutações e se transforma na conformidade do país continental que é seu torno e seu entorno.
A simplificação dualística de dois entes estranhos e até antagônicos, um mundo civil e um mundo militar é uma concepção teratológica, viciada e distorcida em artifícios que não resistem a uma análise mais profunda.
Dezenas de milhares de fardados, centena de milhares de cidadãos com suas famílias, oficiais, sargentos, praças, marinheiros, pilotos, médicos, engenheiros, os convocados e os aposentados são uma enorme parcela da sociedade que não pode ser compreendida com perspectiva folclórica ou pior ainda, de “milicos” e “paisanos”, armados e desarmados que se amam ou se odeiam, segundo variáveis ideológicas, políticas amarradas em episódios transitórios que vão desde o movimento do Marechal Lott numa inclinação de esquerda até Marechal Castello Branco de direita.
Se partimos de padrões totalitários em que as Forças Armadas acabam servindo de guarda pretoriana a interesses oligárquicos, de modelos parasitários em tiranias que são milícias de gangues de ordem criminosa.
“Fuhererprinzip” ou “leadership”, a dominância num Direito de Chefe que se estabelece numa hierarquia rígida em que predomina uma obediência cega leva frequentemente, ao mando desumano alheio à disciplina consentida consagrada nos países democráticos.
Durante décadas as Forças Armadas no Brasil tem vivido um dinâmico e progressista intercâmbio dialógico com absoluto respeito à legalidade.
De outra parte tanto no concernente à segurança pública como respaldo quando necessário a situações de crise como aconteceu no Rio de Janeiro, quando do desempenho humanitário das tropas no Haiti ou em dramáticas circunstâncias como agora com hospitais de campanha na pandemia esta é uma evolução natural que neste instante inédito um desafio se propõe à como e quando e quanto as Forças Armadas irão aturar na engrenagem de reposição do país à sua existência econômica, política, cultural.
Talvez este enigma seja o contraponto do enigma que a civilização vai desvendar; o caos selvagem da degradação ou uma solidária superação de todos os obstáculos para a comunidade trabalhando em paz, na justiça social.
*Flavio Goldberg, advogado e mestre em Direito
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