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O papel da incerteza

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Por José Pena
Atualização:
José Pena. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O ambiente doméstico segue nublado em função dos desencontros entre o Executivo e o Legislativo federal. Esperava-se que o envio de uma ambiciosa proposta de reforma da previdência em meados de fevereiro pudesse marcar o início de um ciclo de recuperação da confiança dos agentes econômicos locais.

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Na prática, porém, ao menos até agora, escancarou uma crise entre aqueles dois poderes que pode colocar em risco sua tramitação.

Divergências entre a visão do executivo e dos legisladores sobre pontos específicos da proposta eram mais do que esperadas e, a menos que se mostrassem muito abrangentes e profundas, não deveriam prolongar sobremaneira seu progresso nas duas casas do Congresso, nem tampouco impedir o atingimento de uma economia fiscal relevante ao longo dos próximos anos.

As últimas semanas, porém, têm mostrado um preocupante conflito entre o presidente Bolsonaro e o Congresso. Embora práticas pouco republicanas observadas no passado na relação entre o executivo e legislativo devam ser combatidas, o diálogo entre os poderes não pode ser abandonado, sob pena de paralisar o avanço de medidas que pairam acima da agenda específica de um ou de outro.

A reforma da previdência é o exemplo maior disso, devendo ser vista não como uma pauta do governo atual, mas como uma necessidade de Estado, à medida que seus efeitos perdurarão para além dos mandatos do atual presidente, deputados e senadores.

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Por ora, embora indesejável, o atual quadro de tensão política não nos parece irreversível e, por isso, ainda mantemos uma visão construtiva sobre o progresso da PEC da Previdência.

Impossível não reconhecer, porém, que o cronograma de sua aprovação pode se estender por mais tempo do que imaginávamos até então, com o 1.º turno de votação na Câmara dos Deputados ocorrendo em agosto. Tão ou mais importante que o prazo de sua aprovação, porém, é o resultado final em termos fiscais. Experiências históricas e a literatura política sugerem que quanto maior o tempo de tramitação, mais diluída tende a ser a proposta original.

Esse ajuste no cenário por si só já colocaria um viés de baixa nas projeções para o crescimento econômico deste ano, na medida em que manteria por mais tempo o ainda elevado grau de incerteza entre empresários e consumidores.

Para tentar medir o impacto desse fator sobre o PIB ao longo do tempo e, mais especificamente, ao longo de 2018, desenvolvemos um modelo estatístico que estima o comportamento do produto nacional a partir do grau de incerteza entre os agentes econômicos (neste caso, usando o Índice de Incerteza Econômica apurado pela FGV) e das condições financeiras.

Em seguida, realizamos um exercício contrafactual, estimando qual teria sido o comportamento do PIB no ano passado caso o grau de incerteza observado no primeiro trimestre (antes, portanto, da greve dos caminhoneiros) tivesse se mantido estável naquele patamar ao longo do restante do ano.

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Nesse caso, de acordo com nossas estimativas, sem os sucessivos choques negativos de confiança que atingiram a economia em 2018, o crescimento do PIB, tudo o mais constante, teria alcançado 1,8% e não o 1,1% calculado pelo IBGE.

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Ocorre que esse não é o único fator que pode atrasar ainda mais o processo de aceleração do crescimento doméstico e, consequentemente, do emprego. A economia global também tem emitido sucessivos sinais de desaceleração, contrariando a expectativa dominante de que a redução do ritmo de expansão seria um movimento breve e modesto.

Embora governos e bancos centrais nas principais economias do planeta tenham agido no passado recente para evitar uma desaceleração mais abrupta, é incerto que essas medidas poderão se mostrar suficientemente fortes e tempestivas para interromper esse processo no curto prazo.

Em outras palavras, uma eventual melhora do cenário econômico internacional só deve ficar mais visível a partir do segundo semestre. Até lá, a retomada doméstica não poderá contar com a ajuda da demanda externa, o que no caso específico da indústria, tem o agravante da crise econômica argentina, que dificilmente mostrará um alívio no futuro próximo, ainda mais diante das incertezas associadas com a eleição presidencial marcada para o final do ano.

Em resumo, o avanço provavelmente mais ruidoso e lento da reforma da previdência e um ambiente externo menos benigno são fatores de risco para uma recuperação econômica que já se mostrava mais lenta.

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O risco é que esse desempenho aquém do esperado crie uma espiral negativa sobre a confiança e que, ao final, limite o capital político do presidente Bolsonaro e o apetite de deputados e senadores para tratar de um tema tão espinhoso como a Reforma da Previdência. Embora ainda distante do campo do provável, é forçoso reconhecer que nas últimas semanas o risco de uma frustração com seu avanço veio para o campo do possível.

*José Pena é economista-chefe da Porto Seguro Investimentos

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