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O novo normal na relação Fisco e contribuinte

A pandemia de COVID-19 trouxe mudanças profundas ao nosso cotidiano no que diz respeito a novas formas de interação pessoal e profissional. Temos uma "etiqueta social" trazida pela pandemia e, no presente momento, em que enfim se começa a ensaiar a retomada das atividades, a expressão que tem sido mais propagada, e que representa a nova realidade que se avizinha, é o tal do novo normal ao qual deveremos nos acostumar.

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Por Sérgio Farina Filho e Fabio Tarandach
Atualização:

No âmbito tributário, pensamos, e é disso de que trata este texto, por razões diferentes parece que também podemos nos referir a um "novo normal" na historicamente conturbada relação entre Fisco e contribuintes. É sobre essa quebra de paradigma que pretendemos discorrer aqui.

A relação Fisco e contribuinte sempre foi marcada pela tensão, com interesses que, muitas vezes, pareciam inconciliáveis, mas que não necessariamente precisariam ser. Se de um lado o Estado busca aumentar a arrecadação fiscal; de outro o contribuinte demanda um sistema tributário justo e seguro, que não sufoque as suas atividades e o seu patrimônio.

Sérgio Farina Filho e Fabio Tarandach. Foto: Acervo pessoal

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Ocorre que, ao longo dos anos, a quantidade de normas instituídas quase que diariamente majorando a carga tributária, instituindo novas e sucessivas anistias e criando um sem fim de obrigações fiscais acessórias fez do sistema tributário nacional um complexo de regras caro e juridicamente inseguro. O resultado disso foi a ampliação dos conflitos entre as partes, o Fisco e os contribuintes, dificilmente pacificados, e que pode ser visto pelos longos e custosos processos tributários em curso.

Deixando um pouco de lado a identificação de quem seriam os responsáveis, é unânime que os métodos tradicionais de resolução de conflitos - os litígios travados nas esferas fiscais administrativa e judicial - não conseguiriam sozinhos (e não conseguiram) solucionar satisfatoriamente as questões enfrentadas: longo tempo dos litígios, ineficiência, falta de pacificação dos conflitos, insegurança jurídica, dentre outras.

O Poder Judiciário e os Órgãos Administrativos de julgamento, como o CARF, estão saturados e as demandas fiscais formam grande parte dos processos que ainda se acumulam nos armários dos Fóruns, Tribunais e autarquias (e que, atualmente, congestionam também os sistemas eletrônicos de processos). Portanto, caminhos alternativos eram mais do que desejados, são uma necessidade em matéria fiscal!

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A esse respeito, é curioso notar que, desde 1966, com a edição do atual Código Tributário Nacional (ou seja, há mais de 50 anos!), o ordenamento jurídico brasileiro prevê, por exemplo, a transação como uma forma alternativa de extinção do crédito tributário. Porém, apesar dessa possibilidade, o artigo 171 do CTN dispôs que caberia à Lei regulamentar a transação tributária, o que fez com que tivéssemos que esperar mais de 50 anos até a edição da Lei nº 13.988, já em 2020, que enfim trouxe a possibilidade de o Fisco e o contribuinte, por concessões mútuas, chegarem a uma boa transação.

Antes tarde do que nunca, pensamos. A nosso ver, esse novo velho instituto da transação tributária - que recentemente foi, inclusive, aprimorado para atender às novas demandas surgidas no cenário atual de pandemia de COVID-19 - pode ser uma ferramenta útil para a redução dos processos fiscais ativos.

Mas não é só a transação tributária. Vale lembrar que o novo Código de Processo Civil, instituído em 2015 (CPC/15), prestigiou a cooperação, a vontade das partes e a resolução dos conflitos por métodos alternativos. Naquele contexto que, ao tratar de Negócios Jurídicos Processuais (NJP), por exemplo, para que as partes pudessem adequar ritos e procedimentos aos seus interesses, o artigo 190 do CPC/15 abriu outro caminho para que, em âmbito fiscal, Procuradoria e contribuintes sentassem mais próximos à mesa para a celebração de NJP.

Nesse novo cenário, impensável há tempos atrás, temos visto na prática Procuradorias e contribuintes empenhados em fazer dar certo os mecanismos postos à disposição para tentar reduzir os conflitos . As partes parecem estar dispostas a essa nova forma de comunicação, prestigiando bons acordos e procurando aumentar a arrecadação fiscal sem estrangular a saúde financeira e o patrimônio dos contribuintes (o que viabiliza, inclusive, o próprio cumprimento de obrigações fiscais).

Sabemos que o caminho não será fácil, nunca foi, pois são conhecidas as amarras que envolvem o interesse público. Porém, vemos com otimismo essa nova realidade que, a nosso ver, pode trazer ótimos frutos e oportunidades de parte a parte. Como conclusão, já que a expressão do momento nos remete ao "novo normal", ao pensarmos nos futuros debates entre Fisco e contribuintes, bem como na resolução de seus conflitos, entendemos que esse novo normal deve estar presente nas estratégias formuladas, nas mesas de discussões e na tomada de decisão.

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*Sérgio Farina Filho, sócio de Tributário de Pinheiro Neto Advogados; Fabio Tarandach, associado de Tributário de Pinheiro Neto Advogados

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