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Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

O nosso sistema anticorrupção enfrenta novas dificuldades

Por Carlos Cardoso de Oliveira Júnior
Atualização:
Carlos Cardoso de Oliveira Júnior. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O ex-presidente americano Barack Obama lançou há poucos dias o primeiro volume de suas memórias, intitulado Uma Terra Prometida, e em entrevista concedida ao jornal Folha de S. Paulo a propósito dos trechos em que aborda o nosso país, entre outras observações, afirmou que "está claro que o Brasil ainda tem problemas profundos com a corrupção sistêmica".

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Essa afirmação vinda de alguém que já foi o homem mais poderoso e bem informado do mundo chama a atenção pelo fato de contrastar com a abordagem desse tema rotineiramente feita pelos nossos governantes quando questionados a respeito de evidências de malversação de recursos públicos, que ou negam a existência da corrupção em seus governos ou insistem em minimizar a sua ocorrência, relegando esse tipo de problema à esfera de atribuições do sistema de justiça e com isso distanciando-se de quaisquer responsabilidades em relação a eles.

Em nossa história mais recente, os episódios de corrupção retratados nos casos do Mensalão e do Petrolão, para ficar nos mais famosos, permitiram à população tomar contato com o gigantismo desse problema em nossas estruturas governamentais e nos segmentos empresariais que fornecem bens e serviços às três esferas de governo que compõem a nossa federação, bem como em empresas vinculadas, direta ou indiretamente, ao estado brasileiro.

O Petrolão, assim conhecido por envolver a Petrobras, que era até então a mais robusta empresa brasileira, gerou a maior operação anticorrupção do mundo, a Operação Lava Jato, com desdobramentos internacionais, posto tratar-se também de uma empresa multinacional. Essa operação, que ainda tem muito a investigar, à revelia dos seus protagonistas, acabou resultando num inédito terremoto político, alcançando, em maior ou menor grau, todo o espectro político nacional, à esquerda, ao centro e à direita.

Foi sob os influxos dessa inusitada situação que se deram as eleições presidenciais de 2018, no bojo da qual, por força de uma convergência de circunstâncias, muitas delas permedas pelo acaso, emergiu vitorioso o atual presidente da república, que soube aproveitar-se do inusitado momento eleitoral para encaixar, com muito oportunismo, o discurso da luta contra a corrupção, nocauteando as forças partidárias tradicionais.

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Hoje, ao final de dois anos de mandato do presidente Bolsonaro, afigura-se a certeza de que nada se avançou no esforço empreendido para aproximar o Brasil daqueles países que enfrentam com sucesso a chaga da corrupção.

Pior do que isso, assistimos a iniciativas institucionais e legislativas direcionadas para a fragilização do nosso arcabouço jurídico-institucional duramente edificado para dotar o estado nacional de instrumentos minimamente adequados para conter ou reduzir o saque sistemático dos nossos escassos recursos públicos, que, como sublinham os historiadores, transpassam toda a história desta nação.

Não subsistem mais dúvidas de o que o governo Bolsonaro, fruto de um acidente histórico, rasgou o véu da hipocrisia que ostentava no tocante à causa anticorrupção, principalmente após a saída das suas hostes do ex-ministro da justiça Sergio Moro.

Por onde se olha o panorama político em Brasília, são facilmente visíveis as crescentes ameaças rondando a luta anticorrupção.

É emblemático nesse sentido o projeto de lei número 10.887/2018, que tem por objetivo modificar a Lei de Improbidade Administrativa (Lei número 8.429/92). O relator desse projeto apresentou recentemente um substitutivo contendo alterações que, se aprovadas, terão o condão de descaracterizá-la em grande medida, esvaziando os objetivos colimados por ocasião da edição dessa importantíssima lei, concebida para dar concretude aos princípios constitucionais regentes da administração pública consagrados na Constituição Federal de 1988.

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As mudanças apresentadas nesse substitutivo, pelos indisfarçáveis propósitos perniciosos subjacentes a muitas delas, foi suficiente para que alguns estudiosos, jocosamente, passassem a defini-la como a futura Lei da Impunidade.

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Outra recente iniciativa igualmente preocupante foi a criação, por parte do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, de uma comissão encarregada de formular propostas de mudanças na popularmente denominada Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98, posteriormente modificada pela Lei 12.683/12).

Essa lei, apesar da brandura das sanções penais nela contempladas, tem-se revelado imprescindível para o avanço do combate à corrupção e às diferentes modalidades do crime organizado, não havendo nenhuma circunstância relevante que justifique a sua alteração neste momento da vida nacional.

Ainda no que diz respeito a essa comissão, revela-se particularmente curioso o fato de que dentre os seus 44 integrantes, 24 são advogados, muitos deles tendo atuado e atuando como defensores de condenados nos casos do Mensalão e da Lava Jato. Talvez por isso, a imprensa tem noticiado que algumas propostas poderão embutir verdadeira anistia a condenados e indiciados por práticas tidas como criminosas pela lei atual e que deixariam de sê-lo na futura legislação. A conferir oportunamente.

Por outro lado, não se observa por parte dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado nenhuma preocupação em acelerar a aprovação da PEC relativa à execução provisória de sentença condenatória a partir da segunda instância.

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Merece lembrança também o fato de que o novo Procurador-Geral da República, desde o início da sua gestão, vem anunciando e patrocinando iniciativas que provocam preocupações concretas aos integrantes da Operação Lava Jato, quando o que se esperava dele era exatamente o contrário.

Como se vê, não são nada animadoras as perspectivas para a causa anticorrupção no Brasil, que, sob a égide de um governo e um congresso inconfiáveis, projetam para o mundo um país que caminha para ser um pária também no campo dessa temática.

*Carlos Cardoso de Oliveira Júnior, procurador de Justiça aposentado do Ministério Público de São Paulo, e associado do Movimento do Ministério Público Democrático

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