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O (não) espaço da mulher na direção partidária

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Por Mariana Lacerda
Atualização:
Mariana Lacerda. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

No mês de março, o que não faltam são artigos sobre a necessidade de mais mulheres na política. Sobram dados da falta de representatividade entre as mandatárias. Não faltam homens que dizem concordar que somos poucas. Falamos exaustivamente da necessidade de se votar em mulher e das dificuldades eleitorais que enfrentamos na divisão dos recursos partidários.

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Assim, se conclui que o problema está na estrutura das cúpulas dos partidos, ficando a cargo dos homens a distribuição do dinheiro. Alça-se assim a participação da mulher na cúpula partidária como um movimento de gênero na disputa de recursos. Os partidos criam cotas e secretarias das mulheres para esse fim; e isso resolve em parte a participação da mulher na política, mas os números não melhoram. Porque isso é muito pouco.

Sei que no momento de criminalização da política e dos partidos a maioria da população (e muitos dos movimentos de renovação) vê os partidos apenas como fornecedores de estrutura de campanha. Mas não é. Luto todos os dias pela valorização dos partidos. É através deles que exercemos a democracia, que projetos de mundo são construídos coletivamente com pessoas que (deveriam) ter bases comuns. Sim, as estruturas partidárias no Brasil estão em descrédito com alguma razão. Mas entendo que a luta é para recuperá-los e não assumir suas ineficiências.

Sou uma mulher, vice-presidente estadual de um partido e porta-voz tanto quanto o meu parceiro homem, que aparece como presidente no registro burocrático. Entretanto, internamente, para nós, ele e eu estamos lado a lado. E nessa nossa configuração de porta-vozes em pé de igualdade eu debato muito mais do que recursos financeiros e valorização das mulheres como candidatas.

Para ficar na nomenclatura oficial, ter dois presidentes pode ser complicado. Mas meu parceiro e eu, juntos, conseguimos criar aquilo que é necessário: a visão masculina, a visão feminina, um jovem, uma jovem há mais tempo, se unindo e debatendo conjuntamente os rumos do partido. Eu acordo e vou dormir em reuniões com meu porta-voz. Partilhamos todas as decisões, partilhamos visões, partilhamos estratégias. Ouvimos um ao outro, discordamos, concordamos, brigamos até. Construímos juntos.

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Apesar dos ideais, apesar de existir 50% de mulheres na gestão, apesar das grandes lideranças femininas que me inspiram, como Marina Silva, Heloísa Helena,  Marina Helou e Joenia Wapichana, é curioso que muitos homens (e mulheres também!) recorram somente ao porta-voz masculino quando a questão é articulação e política propriamente. Não é infrequente que eu faça uma reunião e seja ele o interpelado sobre as posições tomadas, que protocolos cerimoniais se apliquem a ele e não a mim. Isso quando em reunião com outros partidos não tenhamos a nossa presença de presidente diminuídas, ignoradas até.

É inadmissível que mulheres sejam colocadas como cotas e, neste lugar, meras secretárias dos reais mandachuvas, ou representantes da minoria para falar apenas naquilo que diz respeito a estas. É impensável que sejamos tratadas como incapazes de articular, de negociar, de pensar estratégias e fazermos avaliações políticas de, enfim, dirigirmos um partido. Mulheres na política são indispensáveis para haver uma política para mulheres. Mas não só isso! A visão das mulheres sobre assuntos gerais é também uma necessidade do Brasil. Tenho formação e experiência na formatação e na gestão pública de assuntos de desenvolvimento econômico. A melhor liderança que posso ser para minhas companheiras é ser o exemplo de uma Porta-Voz ativa e que efetivamente tem agência para debater política e definir os rumos do partido. Disso, não abriremos mão.

*Mariana Lacerda, advogada e gestora pública de formação. Porta-voz (presidente) da Rede Sustentabilidade no Estado de São Paulo

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