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O mito da bala de prata

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Por Edmar Araujo
Atualização:
Edmar Araujo. FOTO: DIVULGAÇÃO  

Nos meados da década de 1980, "Bala de Prata" (Silver Bullet) foi um filme exibido com certa frequência na TV brasileira. A trama apresenta uma série de assassinatos ocorridos numa pacata cidade norte-americana e as muitas e frustradas explicações e tentativas de dar cabo ao mal em curso. Para a surpresa dos que acompanhavam a história, o causador de todas as mortes era um lobisomem que em sua forma humana se chamava Reverendo Lowe. A saída encontrada para pará-lo foi uma bala de prata, combinação perfeita para matar o lobisomem e cessar os ataques. Uma solução rápida com efeito imediato.

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Nesta mesma época, o mundo recebia a notícia de uma poderosa pandemia que assolou um não negligenciável número de pessoas. A AIDS vitimou muitos anônimos e famosos como Cazuza, Renato Russo, Freddie Mercury e Michel Foucault, dentre muitos, e havia o mesmo desejo de encontrar a cura, o recurso, o remédio que fosse "tiro e queda", como a bala de prata lançada contra o lobisomem.

Em 2020, o novo coronavírus inspira a pesquisa, o desenvolvimento de medicamentos para tratamento dos acometidos e a busca frenética por uma vacina. O tema da COVID-19 reaquece debates, catalisa questões geopolíticas anteriores e projeta cenários de disputa por poder, dinheiro e domínio.

Longe da luz, da câmera e da ação que se opõem à ideia de Ex nihilo nihil fit, e mais longe ainda da opinião baseada no achismo cretino e cínico que simplifica o complexo e defende a própria verdade com mentiras, problemas complexos como pandemias exigem medidas tão complexas quanto. Exemplo é o tratamento do HIV, que tem três categorias diferentes de medicamentos com mais de 36 combinações com o único objetivo de adequar as substâncias ao estilo de vida do paciente.

No mundo das novas tecnologias que impulsionam a transformação digital e o futuro dos negócios não é diferente. Os produtores e vendedores de balas de pratas estão por aí. Vira e mexe aparecem os defensores fanáticos da inovação como se ela por si só fosse capaz de sanar os problemas de determinado setor. Exemplos desse desejo de ter a cura de todos os males pode ser lido e ouvido no discurso de aproveitadores que tratam a tecnologia como um fim em si. Equívoco ou má fé, a verdade é que inexiste app, sistema, protocolo, infraestrutura ou qualquer outro capaz de superar todos os desafios do mundo moderno.

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Para cada caso há uma tecnologia mais propícia e mais aderente.

Não existe bala de prata para este ou aquele bicho papão da improdutividade, da burocracia e da ineficiência. Não há qualquer inovação capaz de prover o tão sonhado admirável mundo novo. Somos uma sociedade diversa com problemas diversos e potenciais soluções diversas.

Apenas a junção de todas as boas e melhores tecnologias poderá dar rumo a uma sociedade como a nossa, cheia de potencial que pode ser atualizado a partir de pesquisa e desenvolvimento que resulte em mais justiça social.

Precisamos de sistemas que melhorem a vida das pessoas, com exigências mínimas de segurança de acordo com a criticidade dos atos, que gerem registros permanentes das operações, que façam uso de criptografia e que reduzam os intermediários causadores do atraso.

Não precisamos apenas de PKI, Blockchain, IoT, documentos digitais, 5G ou sistemas de pagamento eficientes. Precisamos de todos eles, cada qual sendo aplicado aos problemas do cotidiano de forma isolada ou combinada.

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É hora de utilizarmos um coquetel de tecnologia.

A bala de prata não existe.

*Edmar Araujo, presidente executivo da Associação das Autoridades de Registro do Brasil (AARB). MBA em Transformação Digital e Futuro dos Negócios, jornalista, especialista em Leitura e Produção de Textos. Membro titular do Comitê Gestor da ICP-Brasil.

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