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O Ministério Público atua pela eficiência na concretização dos direitos fundamentais

Por Márcio Silva Maués de Faria
Atualização:
Márcio Silva Maués de Faria. Foto: Divulgação

A Emenda Constitucional n.º 19, de 4 de junho de 1998, acrescentou ao artigo 37 da Constituição Brasileira a eficiência dentre os princípios norteadores da Administração Pública. À época da sua promulgação, o pensamento corrente era o de modernizar a máquina estatal, visando atender preceitos neoliberais.

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Em concepção corrente, o termo eficiência representa a ideia de realização de uma finalidade, com o mínimo de consumo dos recursos que se dispõe para atendê-la. Nesse prisma, a avaliação de eficiência de determinada atividade precisa ser medida em duplo aspecto: quantitativo (atingimento do número de atividades propostas e percentual dos recursos utilizados) e qualitativo (grau de realização material do fim almejado).

Em um primeiro momento, o princípio da eficiência possuía como aspecto mais evidente a necessidade de enxugar a Administração Pública (redução de custos), porém, como juristas de tradição há muito afirmam - o texto constitucional não se interpreta em fatias. A simples medição da economia de recursos utilizados para a consecução das finalidades estatais mostrou-se insuficiente para a avaliação de políticas públicas; ao reconhecer o conteúdo jurídico da eficiência administrativa, o legislador constituinte permite a análise material das políticas públicas, e a cobrança pelos resultados pretendidos pela constituição no campo dos direitos sociais.

Somente sob essa leitura é possível compreender verdadeiramente o princípio da eficiência, que revela a sua extensão e passa a ser corretamente associado à realização dos objetivos gerais da República e à concretização dos direitos fundamentais do povo brasileiro, como, aliás, já vinha sendo trabalhado pelo Ministério Público desde 1988.

Nessa linha de atuação, o Ministério Público assumiu protagonismo na busca pelo aperfeiçoamento dos serviços públicos, jamais sobrepondo ou substituindo a legítima atuação dos gestores democraticamente eleitos. Os membros do MP fiscalizam a correta aplicação dos recursos públicos, processando eventuais desvios, mas também primam pelo diálogo com o poder público e a sociedade, buscando a adoção de medidas administrativas previstas em lei, e que sejam as mais eficientes alternativas para a concretização de direitos da população.

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Em sentido oposto, porém, no dia 02 de julho de 2020, o Conselho Nacional do Ministério Público publicou a Recomendação n.º 02/2020, que, na prática, ignora esse histórico de mais de 30 anos de atuação institucional, ao orientar que os membros, no exercício da fiscalização de atos de execução de políticas públicas, devem observar o limite de análise objetiva de sua legalidade formal e material. Nesse ato, o CNMP também estabelece que diante da falta de consenso científico em questão fundamental à efetivação de política pública, é atribuição legítima do gestor a escolha de uma dentre as posições díspares e/ou antagônicas, não cabendo ao Ministério Público a adoção de medida judicial ou extrajudicial destinadas a modificar o mérito dessas escolhas.

São inúmeros os problemas verificados no teor dessa Recomendação, em especial, porque a atribuição institucional do Ministério Público não se exaure na defesa do ordenamento jurídico, pois o artigo 127 da Constituição Federal lhe atribui, igualmente, o dever de zelar pelo regime democrático e pelos interesses sociais e individuais indisponíveis. Ademais, a independência funcional é princípio institucional estabelecido no mesmo dispositivo constitucional, que representa uma garantia para toda a sociedade; estabelecer previamente uma amarra, de forma geral e irrestrita, para que os membros não atuem na defesa da sociedade, mesmo quando verificados desvios na execução de políticas públicas constitui grave violação a essa independência, e verdadeira diminuição da instituição.

São danosas as repercussões desse ato para a sociedade, em especial no campo da tutela de interesses difusos e coletivos, umbilicalmente ligados aos direitos fundamentais, em que a avaliação e o questionamento de políticas públicas é uma necessidade para a rotina de trabalho institucional.

E suscitar a divergência científica sobre um tema como critério objetivo para impedir a atuação do MP significa, na prática, inviabilizar o exercício funcional na maioria dos casos. A divergência é da essência da ciência. Sem isso, o mecanismo de autocorreção e, por conseguinte a própria evolução científica, não seriam possíveis. Portanto, o critério adotado pelo CNMP é um não-critério. Um despropósito que inviabiliza a defesa dos direitos fundamentais, sempre complexos, sempre sujeitos a divergências interpretativas.

A atuação livre e independente do Ministério Público é uma garantia para toda a sociedade brasileira, e é necessário que assim permaneça.

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*Márcio Silva Maués de Faria é promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Pará e presidente da Associação do Ministério Público do Estado do Pará, afiliada da Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público).

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