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O meio ambiente e o uso do crédito do PIS-Cofins na compra de sucata

Por Valter de Souza Lobato e Tiago Conde Teixeira
Atualização:

Valter de Souza Lobato e Tiago Conde Teixeira. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O Supremo Tribunal Federal julgará, no dia 19 de junho, tema de suma importância para o meio ambiente. Trata-se do RE nº 607109, de relatoria da Min. Rosa Weber, no qual se debate a constitucionalidade do art. 47 da Lei nº 11.196/2005, que vedou a utilização dos créditos de PIS e COFINS na aquisição de desperdícios, resíduos ou aparas de papel, utilizados como insumos no processo produtivo da empresa.

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Essa vedação legal contraria a Constituição Federal ao violar os princípios da isonomia, da capacidade contributiva, da defesa do meio ambiente, da busca do pleno emprego e da livre concorrência.

A apuração do PIS e da COFINS, no regime não cumulativo, se dá na modalidade de base contra base, portanto, não prevalece a lógica de incidência ou não da etapa anterior; até porque  pessoas jurídicas no regime não cumulativo adquirem bens e serviços (insumos) de outras pessoas jurídicas no regime cumulativo e nem por isso deixam de fazer o crédito na sua integralidade.

Diante de tal premissa, para a realidade de mercado, quando a legislação proíbe o creditamento de PIS e COFINS nas aquisições de sucata, as indústrias que utilizam insumos extraídos diretamente da natureza são beneficiadas com a utilização do crédito de tais contribuições, enquanto as indústrias que utilizam material reciclado recebem tratamento tributário mais gravoso, sendo vedada a utilização do mesmo crédito.

E qual a importância de dar tratamento adequado às aquisições de sucatas? Ora, não é preciso dissertar muito sobre a importância do Direito se voltar para a proteção do meio ambiente, pois basta verificar os terríveis fenômenos que vivenciamos duramente nos dias atuais. O Direito, ainda que opere pelos seus próprios mecanismos, não pode se distanciar do fato social, sob pena de perder a sua legitimidade. Assim o é também com o Direito Tributário, seja pela Justiça Tributária que tem um compromisso intergeracional, ou seja, as receitas e despesas públicas devem se preocupar - por óbvio - com as presentes e futuras gerações, seja por mandamentos constitucionais, como o art. 170 do Texto Constitucional, o qual determinaque a atividade econômica não pode ser exercida em desarmonia com a proteção do meio ambiente e a busca do pleno emprego. Todavia, em sentido contrário aos objetivos traçados, o dispositivo ora em comento desestimula que as empresas adquiram os produtos reciclados, ou seja, que já estão fora do ciclo produtivo normal, mas que ainda poderiam ser reinseridos. Não é apenas uma questão de extrafiscalidade ou de política fiscal a ser determinada pelos Poderes Executivo ou Legislativo, é imposição constitucional a que o Sistema Tributário não pode fechar os olhos.

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Em se tratando da reciclagem de papel em específico, o papel feito com material reciclado reduz em 74% os poluentes liberados no ar e em 35% os despejados na água, além de reduzir o desmatamento. Ademais, o papel produzido a partir de aparas requer 25% a 60% menos energia elétrica que a necessária para obter papel da polpa de madeira[1].

No que concerne aos benefícios econômicos e sociais, destaca-se que a reciclagem absorve mão-de-obra predominantemente pouco qualificada. Destarte, o desenvolvimento da "economia verde" possui grande potencial de impacto na erradicação da pobreza por meio da inclusão social dos mais pobres no mercado de trabalho. Nesse sentido, conforme relatório[2] da Organização Mundial Trabalho (OMT), é possível criar seis milhões de empregos através da substituição do modelo econômico atual de "extração, fabricação, uso e descarte" por uma "economia circular", que inclui atividades como a reciclagem.

Assim, evidencia-se que o art. 47 da Lei nº 11.196/2005 confere tratamento tributário desfavorável às indústrias que utilizam materiais reciclados como insumos, colocando-as em posição de desvantagem no mercado, pelo que o referido dispositivo afronta o princípio da livre concorrência, que impõe o tratamento tributário rigorosamente igual a empresas concorrentes de um mesmo setor econômico.

Por fim, a vedação também afronta a sistemática da não cumulatividade, princípio constitucional limitador do poder de tributar. Nos termos do art. 195, § 12, da CF, a lei pode definir setores das atividades que recolherão as contribuições pelo sistema não cumulativo. Sendo assim, para os segmentos que permaneceram sob a sistemática cumulativa, as alíquotas das contribuições foram mantidas no mesmo patamar. Entretanto, os setores que passaram a se sujeitar à sistemática não cumulativa tiveram que se submeter a alíquotas maiores. Destarte, ao vedar o creditamento nas aquisições de materiais recicláveis, o art. 47 estabelece a seguinte situação: a empresa recolhe as contribuições na sistemática não cumulativa, submetendo-se a alíquotas mais altas e, ao mesmo tempo, fica impedida de se creditar de insumos essenciais para seu processo produtivo, o que não guarda correspondência com a finalidade do regime não cumulativo. E, para demonstrar o absurdo do referido dispositivo, até as empresas que estão no regime SIMPLES, cujas contribuições estão certamente incluídas na alíquota que recolhem, restam prejudicadas, pois a aquisição de sucatas de tais empresas não geram direito de crédito aos seus clientes. É dizer: em um só tempo, o referido dispositivo legal despreza os ditames constitucionais de proteção ao meio ambiente, à livre concorrência e ao tratamento diferenciado das pequenas e médias empresas.

Conclui-se, portanto, que o referido dispositivo deve ser declarado inconstitucional, de modo a permitir que o contribuinte utilize os créditos do PIS e da COFINS na aquisição de materiais reciclados. Essa decisão incentivaria a utilização de sucata como insumo pelas empresas em seu processo produtivo, o que é mais vantajoso em termos ambientais, econômicos e sociais. Assim, o STF pode se reafirmar como guardião da Constituição e protetor do meio ambiente, demonstrando que existem juízes não apenas em Berlim como também no Brasil.

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*Valter de Souza Lobato, professor de Direito Tributário da UFMG. Presidente da Associação Brasileira de Direito Tributário - ABRADT. Sócio do Sacha Calmon - Misabel Derzi Consultores e Advogados

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*Tiago Conde Teixeira, professor do IDP. Presidente da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/DF. Diretor da Associação Brasileira de Direito Tributário - ABRADT. Sócio do Sacha Calmon - Misabel Derzi Consultores e Advogados

[1] World Wild Fund For Nature (WWF). Conheça os benefícios da coleta seletiva. Disponível em: https://www.wwf.org.br/?uNewsID=14001 >. Acesso em 30/01/2020.

[2] International Labour Organization (ILO). World Employment Social Outlook 2018: Greening with Jobs. 2018, p. 37. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/---publ/documents/publication/wcms_628654.pdf >. Acesso em 30/01/2020.

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