Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

O medo do estrangeiro

PUBLICIDADE

Por Paulo A. Zottolo
Atualização:
Paulo A. Zottolo. FOTO: DIVULGAÇÃO  

O Brasil não vende produtos no mercado externo. Nossos parceiros são quem os compram. Não é a mesma coisa. Vender algo pressupõe atividade; ter algo comprado remete à passividade. O fato é que somos exportadores de commodities, ou seja, estamos sempre à mercê dos preços ditados externamente.

Com raras exceções, não somos capazes de desenvolver marcas globais. Estamos muito aquém do nosso potencial. Somos umas das economias mais fechadas do mundo. Jogamos na segunda divisão do mercado global.

PUBLICIDADE

O que explica essa realidade?

Não há uma causa única, mas uma série de fatores.

Sempre fomos reféns de políticas governamentais protetoras do mercado interno. Vários governos, como uma supermãe, não souberam abrir gradativamente o mercado interno e dar senso de competição internacional aos empresários. Esse modelo veio dos anos 70, quando, para proteger a indústria nacional, fechamos as importações. A indústria nacional foi vítima da própria proteção a determinados setores, como o de informática, bens eletrônicos etc. mas o pior efeito foi no desenvolvimento de uma cultura de crescimento focado no mercado interno protegida da concorrência internacional.

Publicidade

As empresas brasileiras se acomodaram e deixaram de ser criativas e competitivas. Vivíamos um nacionalismo empresarial de graves consequências. O preço foi alto e está refletido hoje no que eu chamo de "medo do estrangeiro".

Outro problema é a sucessão das empresas familiares. Muitas cresceram nesse ambiente de proteção e sem profissionalizar suas gestões. Os fundadores se aposentam e as novas gerações assumem sem estar preparadas, pois tentam manter o poder de decisão no âmbito familiar sem contratar profissionais de peso para levar a empresa adiante e se internacionalizar.

Continuam mantendo a estratégia do passado de foco no mercado interno e trabalham com funcionários de longa data sem nenhuma experiência internacional. Não querem o risco de alguém de fora vir a questionar a estratégia e causar tumulto na administração. Esquecem que tumulto é bom quando bem gerido. Faz com que repensemos nossa estratégia.

Temos medo de mudanças, mas precisamos delas para operar no mercado externo. O mercado externo nos ensina um modo diferente de trabalhar e negociar. Lá fora continuamos a ser reconhecidos apenas pelas commodities. Exportamos suco de laranja, mas não uma marca de suco, exportamos cacau, mas não o chocolate. A lista que revela a nossa pobreza comercial é infelizmente extensa.

Quando um empresário mais audaz olha para além das fronteiras, está interessado, na maioria das vezes, em oportunidades circunstanciais, e não no mercado potencial onde poderia competir aumentando o valor de sua marca e diluindo riscos por atuar em diversos mercados. O mercado externo, para muitas empresas, só serve para desovar excesso de produção, quando o mercado interno vai mal. Não há uma estratégia de longo prazo.

Publicidade

Nossa tentativa de entrada nesses novos mercados se dá muitas vezes por meio da participação de feiras promovidas pela Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos). Muitas dessas empresas não têm condição financeira ou capacidade de produção para se aventurarem nestes mercados. Enviam para os eventos executivos que mal falam inglês e levam debaixo do braço catálogos pobremente produzidos em português. A Apex faz o melhor que pode para ajudá-las mas muitas, senão a maioria, não têm chance nenhuma de sucesso.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Infelizmente, a maioria dos nossos executivos com experiência internacional é formada nas multinacionais. Foram forjados em modelos de gestão altamente matriciais, que valorizam a execução local. Com raras exceções, eles pouco participam da estratégia global. Não há empreendedorismo, até porque isso não interessa às matrizes.

Como reverter esse quadro?

Se foi uma série de fatores que nos levou ao quadro aqui desenhado, óbvio que uma conjunção de ações será necessária para reverter a situação. No plano individual, nossos executivos terão que viajar mais, participar de feiras e eventos, com o intuito de conhecer seus concorrentes e dialogar com eles. Buscar parcerias! Precisarão buscar nichos novos de atuação e adaptar seus produtos em embalagens para esses mercados. Empresas que tenham condições de atuar nesses mercados terão que investir na contratação de profissionais locais e não enviar seus melhores gerentes sem experiência alguma internacional para fora para apreender.

Antes de entrar em um novo mercado é fundamental entendê-lo, testar seus produtos e posicionamento de marca e finalmente estabelecer um plano com investimentos de longo prazo.

Publicidade

A Apex poderia assessorar essas empresas ainda no Brasil e não levá-las para fora para expor sem entender realmente o potencial delas. Ajudá-las a entender quais os primeiros passos: como pesquisar? quais os custos? A Associação deve trabalhar junto das federações locais para mostrar às empresas as vantagens de se internacionalizarem. Cursos devem ser ministrados nesta área .

O empresário brasileiro tem habilidades raras. Consegue sobreviver nesse ambiente hostil de negócios com altos e baixos, com taxas de juro que não favorecem o investimento em capital de giro, impostos que corroem a liquidez das empresas e aumentam custos etc. Se ele ainda não é global, precisa vir a ser!

A marca Brasil tem potencial e valor enormes para produtos de consumo. Temos que aproveitar essa marca. Os que tiverem a visão de se aventurarem deverão quebrar as cercas que os prendem ao mercado interno e da maneira correta partir para o mercado externo com visão de médio e longo prazo.

*Paulo A. Zottolo é ex-CEO da Nivea no Brasil e nos Estados Unidos, ex-CEO da Philips América Latina e fundador e CEO da ZM International Consulting

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.