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O maior desafio do STF

Por Claudia Maria Barbosa
Atualização:
Claudia Maria Barbosa. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Na tradição liberal, o poder dos governantes é limitado; o cidadão tem direitos assegurados e protegidos; todos devem respeito à lei e à Constituição; os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário equilibram-se, de maneira que um controla o outro; e a escolha dos representantes é feita pelo voto. No Estado liberal, o Judiciário era tido como o menos político entre os Poderes de Estado, encarregado de realizar a justiça por meio de julgamentos imparciais, decididos em conformidade com o que estabelecem as leis e a Constituição.

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Representantes eleitos tomam decisões estratégicas de olho no eleitorado, enquanto as Cortes tomam decisões de olho na Constituição, sempre a fim de proteger e assegurar direitos que, muitas vezes, são de minorias ou de grupos vulneráveis - crianças, mulheres, idosos, índios, pessoas com deficiência, negros - decidindo contra o que poderia ser a vontade da maioria e traduzindo o que os estudiosos denominam "dificuldade contramajoritária".

A Constituição Federal de 1988 inaugurou o período de redemocratização no Brasil. Em sua ainda jovem, frágil e, agora, cada vez mais ameaçada democracia, o país assiste a um crescente papel político do Judiciário, que se revela no processo de judicialização da política, no qual debates que deveriam se dar na sociedade e no Congresso Nacional acabam sendo transferidos para o campo judicial, em especial no Supremo Tribunal Federal (STF), encarregado da defesa da Constituição. Questões tão diversas quanto união homoafetiva, aborto, limites à liberdade de expressão, prisão em segunda instância, proteção de mangues, coligações partidárias, criação de municípios, cassação de mandatos e até a eleição presidencial foram influenciadas ou decididas no Supremo Tribunal Federal.

Ministros do STF não são escolhidos pelo povo; eles dependem da indicação da Presidência da República e da aprovação do Senado. Além de não serem eleitos, não têm mandato (a aposentadoria compulsória é aos 75 anos), recebem o maior salário pago pela Administração Pública e só podem perder o cargo se procedimentos complexos e em parte controlados pelo próprio Supremo comprovarem uma eventual atuação criminosa. Essas garantias existem para assegurar aos magistrados a independência no julgar e a imparcialidade nas decisões.

Apesar de serem 11 os ministros, suas decisões são cada vez mais individuais e muitas vezes mantêm-se provisórias por tanto tempo que, na prática, tornam-se definitivas.  Como os votos são levados prontos às sessões, mesmo quando há debates - como os que costumamos ver na TV Justiça -, eles refletem o pensamento individual dos juízes e só raramente traduzem entendimentos colegiados da Corte, com força para se tornarem precedentes.

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Ministros não eleitos, sem mandato e sem possibilidades reais de serem afastados do exercício de seus cargos têm unicamente na Constituição o esteio de suas decisões, mesmo que isso desagrade maiorias. É da Constituição, portanto, que decorre e legitimidade do STF. Mas quem interpreta a Constituição? A própria Corte.

A independência do Judiciário é essencial para que não precisemos temer decisões tomadas por interesse, necessidade ou medo.  As garantias, porém, são incapazes de evitar julgados movidos por simpatia, amizade (ou inimizade), ideologia, preferências pessoais ou vaidade. Para esses, o remédio é o que estudos têm denominado accountability (responsabilidade), ainda muito frágil no Brasil.  Independência e accountability judiciais formam o binômio de sustentação da legitimidade do Supremo.

Importantes questões ligadas a direitos de grupos vulneráveis,liberdades e garantias dos cidadãos, afirmação do Estado laico, estabilidade e segurança do regime democrático estarão sob o escrutínio do STF nos próximos tempos. Neste cenário, o maior risco é que as garantias de independência dos ministros sejam fragilizadas diante do peso da mídia, inaptas para conter a vaidade individual, incapazes de assegurar decisões contramajoritárias, impróprias para formar decisões colegiadas e, principalmente, frágeis diante da possibilidade real de que possam sucumbir à tentação de reescrever, cada um a seu modo, a Constituição brasileira.

*Claudia Maria Barbosa tem pós-doutorados no Canadá e em Portugal, é doutora em Direito e professora de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)

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