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O luxo, a crise e o e-commerce

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Por Lucca Paronetti
Atualização:
Lucca Paronetti. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Foi em 2008, numa segunda-feira de setembro, que ocorreu a explosão da bolha imobiliária americana, desencadeando uma das mais profundas instabilidades econômicas que o mundo já vivera até então. A chamada crise do subprime deixou um rastro de destruição: bancos centenários fecharam, a indústria automobilística ficou em frangalhos, e fundos de investimentos simplesmente desapareceram. Não foi diferente para o mercado de luxo.

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O setor de varejo high-end internacional, que aparentava imunidade às oscilações de mercado, mostrando força e previsibilidade até então, viu em 2008 sua taxa de crescimento derreter: dos 10% nos cinco anos anteriores, sofreu um golpe e chegou a míseros 3%. A solução dos grandes conglomerados de luxo foi investir pesado nos promissores BRICs (grupo formado à época pelos então preeminentes países em desenvolvimento, Brasil, Rússia, Índia e China).

Em solo brasileiro, viu-se uma enxurrada de abertura de lojas exuberantes nos pontos mais nobres de São Paulo e, mais tarde, em endereços icônicos do Rio e de Brasília: Hermès, Chanel, Emilio Pucci, Goyard, Lamborghini, Bvlgari, Bentley... A lista se estendia por mais de 25 marcas conceituadas do mercado internacional, que desembarcaram no país famintas pelo poder de consumo represado da elite brasileira. Dada a instabilidade do mercado internacional, o apetite voraz dos ricos por viagens e gastos no exterior arrefecera. As marcas apostavam, então, que as camadas abastadas passariam a fazer suas compras dentro do próprio país.

A jogada deu certo: em 2009, o mercado de luxo no Brasil faturou a estrondosa cifra de US$ 6,45 bilhões, um incremento de 8% em comparação com o mesmo período do ano anterior, de acordo com estudo conduzido pela GfK Brasil em parceria com a MCF Consultoria. Ou seja, em plena crise, as marcas lucraram e expandiram seus negócios, como se a economia mundial não estivesse encolhendo.

Agora, em meio à crise do coronavírus, qual seria a saída para o setor?

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Percebe-se uma nova onda de oportunidade para o mercado brasileiro de luxo: surfar a onda do e-commerce. De fato, o comércio eletrônico em geral vive um momento singular durante a pandemia de Covid-19 no Brasil: em março houve aumento de aproximadamente 20% nas vendas em comparação a março de 2019. Em abril, durante o pico das taxas de isolamento no país, viu-se um acréscimo de 17% nas vendas por meios eletrônicos. Já em maio, o resultado foi ainda mais surpreendente: incremento de 40%, segundo dados da consultoria Ebit/Nielsen.

Os números de vendas de e-commerce parecem descolar-se da atual conjuntura do país, onde tragicamente mais de 600.000 micro e pequenas empresas fecharam as portas, de acordo com levantamento feito pelo SEBRAE, e 12,3 milhões de brasileiros encontram-se desempregados, conforme a mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE.

É nos canais digitais que se enxerga a luz no fim do túnel para o varejo de luxo. O e-commerce passou a ser uma das principais apostas do setor para sair da crise sanitária sem danos estruturais em suas operações no Brasil. Afinal, segundo a ABComm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico), as vendas online têm crescido no ritmo anual de dois dígitos no país há 25 anos, com previsão de faturamento de R$ 106 bilhões em 2020, uma alta de 18% em comparação a 2019. E há espaço para crescimento: as vendas digitais representam apenas 5% do varejo nacional (na Inglaterra, chegam a 23%).

Não à toa, grandes players têm reinventado suas operações e entrado no universo de luxo digital.

A JHSF lançou seu destino online ainda no segundo semestre de 2018: o e-commerce CJ Fashion, do Shopping Cidade Jardim, foi criado para aproximar-se virtualmente da clientela. A empresa já divulgou aumento de 49% em seus pedidos e incremento de 307% nas vendas feitas pela plataforma desde o início da operação, o que tem garantido receita mesmo diante da crise do coronavírus.

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Da mesma forma, o Iguatemi, uma das mais tradicionais empresas brasileiras de shopping centers, não ficou para trás e estreou ainda no final de 2019 o Iguatemi 365, plataforma que visa a mudar a relação de seus clientes com as compras no universo online. Embora disponível somente para compras em São Paulo, a plataforma deverá ampliar sua operação para mais cinco capitais devido ao sucesso de vendas. A estratégia foi bem recebida pelo mercado: as ações do grupo atingiram alta de 3% em meio ao derretimento do mercado de ações na pandemia.

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Há também a primeira grande investida da gigante de tecnologia Amazon no segmento no Brasil. Em parceria com a administradora dos shoppings Eldorado, em São Paulo, e Nova América, no Rio de Janeiro, que buscam a digitalização de suas vendas, a empresa de Jeff Bezos criará páginas exclusivas dos shoppings dentro do marketplace a fim de amenizar a queda de movimento que se espera para os próximos meses, mesmo com a reabertura do comércio.

Já a Farfetch, listada na Bolsa de Valores de Nova York, chegou ao Brasil em 2011 com o modelo de marketplace (entrega produtos de mais de 700 boutiques espalhadas pelo mundo) e e-concession (vende na plataforma marcas sem operação digital no Brasil, como a Gucci).

É chegado o momento de as icônicas marcas de luxo despertarem de seu sono leniente para o futuro tecnológico - uma realidade óbvia nos demais segmentos do varejo nacional - e valorizarem a abrangência, capilaridade e funcionalidade de suas lojas virtuais. Diversas tecnologias, como o atendimento online de personal stylists, os instrumentos de realidade aumentada, entre outras, estão à disposição da indústria para que a sensação de luxo não seja perdida e para que o cliente tenha uma experiência personalizada nos meios digitais.

Inovação, reinvenção e diferenciação estão no DNA das marcas de luxo. Como bem dizia Coco Chanel, "Para ser insubstituível, é preciso sempre ser diferente". A crise atual é o momento ideal de se ousar no mercado de luxo para alavancar os negócios, tal como se fez em 2008.

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*Lucca Paronetti integra a Farfetch América Latina na área de private client

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