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Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

O lado sombrio da magistratura

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Por José Carlos G. Xavier de Aquino
Atualização:
José Carlos G. Xavier de Aquino. ILUSTRAÇÃO: ARQUIVO PESSOAL  

Comandar o vetusto (146 anos) e maior Tribunal de Justiça da América Latina é sonar a canção do filme Cinema Paradiso e receber em retorno a ópera Carmina Burana. É necessário, pois, compreender que a realidade paulista é diferenciada dos demais estados da federação. Somos mais de 44 milhões de habitantes, o que equivale à população da Argentina e oito vezes a do Uruguai.

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Não é que somos diferentes por vaidade ou diletantismo. A imperiosa necessidade nos leva a tomarmos decisões graves, imediatas e emergenciais. É bom lembrar que os juízes paulistas mereceram a observação do festejado psiquiatra Augusto Cury de que "enxugam gelo ao sol do meio dia", tanto é o volume de processos que recebem diariamente, reflexo de uma sociedade conflituosa.

No Estado de São Paulo, são cerca de 2,6 mil julgadores que, sem dúvida nenhuma, podemos chamar de altruístas. São cônscios de suas responsabilidades a tal ponto de destruírem a sua saúde física e mental, porquanto trabalham à noite, aos finais de semana, nos feriados, sacrificando o sacrossanto direito de ficar com os seus familiares e de acompanhar o crescimento de seus filhos.

A par, mormente os juízes criminais, de sofrerem as mais variadas ameaças externas, entregam-se de corpo e alma ao trabalho, colocando em segundo plano a sua qualidade de vida, diante da infindável sobrecarga intelectual que o seu ofício exige. Augusto Cury chega a dizer que esse mister conduz ao que ele cognomina de síndrome do pensamento acelerado (SPA), que leva à fadiga logo pela manhã, além de cefaleia, dores musculares e, sobretudo, ansiedade. Ademais, sofrem de transtorno do sono aqueles magistrados que se preocupam em entregar uma prestação jurisdicional justa e célere, dando a cada um o que é seu por direito, com isonomia.

Para exercer com dignidade a sua função, o agente do Poder Judiciário põe em espera os seus sonhos e se afasta das pessoas que mais ama, olvidando-se que ele também é um simples mortal, com as suas dores, seus medos, seus projetos para o futuro e devaneios.

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Ao ingressar na magistratura, carreira de Estado tal qual o Itamaraty, assume significativas responsabilidades, resolvendo conflitos de interesses gerados por uma pretensão resistida, que o levam a lidar diariamente com situações estressantes.

O Presidente, o seu Vice, o Corregedor-Geral de Justiça, os três Presidentes das respectivas Seções de Direito Privado, Criminal e Público, bem como o Decano, todos integrantes do Conselho Superior da Magistratura, exercem papel de relevo, sobretudo o da Seção de Direito Criminal, que, além de analisar as particularidades de cada caso a ele impostas, está sujeito a retaliações de toda sorte, incluindo a de facções e de organizações criminosas com altíssimo grau de periculosidade.

Nunca é demais lembrar do caso do então corregedor de presídios da região de Presidente Prudente (SP), Antônio José Machado Dias, que, em 2003, teve a sua vida ceifada por meio de emboscada, em um ataque típico ao da máfia italiana. Na época, encontravam-se sob a sua égide centros de ressocialização e, principalmente, unidades prisionais, em que estavam encarcerados os líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC), extremamente insatisfeitos com o rigor das decisões do magistrado.

Não se olvide também do violento atentado praticado contra a juíza Tatiane Moreira Lima, da Vara de Violência Doméstica, do Fórum do Butantã, zona oeste de São Paulo. Inconformado com a retirada da guarda de seu filho, o acusado, que respondia por agressão contra a esposa, jogou-lhe uma quantidade significativa de líquido inflamável e ameaçou incendiá-la.

Infelizmente, esse tipo de situação pode também ser verificada em outros Estados. No Espírito Santo, em 2003, o juiz Alexandre Martins de Castro Filho, que atuava na Vara de Execuções Penais de Vitória, foi assassinado quando se dirigia à academia. Por sua vez, no Rio de Janeiro, a juíza de direito da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, Patrícia Lourival Acioli, conhecida por combater com firmeza a atuação de milicianos e grupos de extermínio, foi brutalmente executada com 21 tiros, quando chegava em sua casa em Niterói, em 2011.

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Tenta-se calar a voz dos agentes do Poder Judiciário, tal como tentaram na Colômbia na década de 90, época em que estava dominada por cartéis de drogas. Em relação à experiência colombiana, foi criada a figura do juiz anônimo ou sem rosto, prevista no artigo 158, do Decreto nº 2.700, de 30 de novembro de 1991, que permite o ocultamento da identidade dos julgadores, nas hipóteses em que a sua vida é colocada em xeque.

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No ordenamento jurídico pátrio, a Lei no 12.694, de 24 de julho de 2012, prevê o julgamento colegiado para a prática de quaisquer atos processuais referentes a crimes praticados por organizações criminosas, que possam acarretar riscos à integridade física do magistrado.

É sabido que muitos juízes abandonam a carreira em virtude da falta de segurança em sua atuação jurisdicional. Muito se é falado da parte glamurosa do exercício da magistratura. No entanto, pouco é explorado o lado sombrio que permeia o ofício, que também deve - e muito - ser levado em consideração.

Ser juiz é exercer o seu trabalho com coragem e destemor, inclusive do fogo amigo. É aplicar o direito pensando no jurisdicionado. Bem é de ver que a magistratura paulista é composta por verdadeiros paladinos na incansável busca pela justiça.

*José Carlos G. Xavier de Aquino, desembargador decano do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

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