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O julgamento do terço de férias pelo STF deve ser revisto

Por Maurício Barros e Jorge Henrique Fernandes Facure
Atualização:
Maurício Barros e Jorge Henrique Fernandes Facure. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Conforme amplamente divulgado, o Supremo Tribunal Federal finalizou, em 28/08/2020, o julgamento do Recurso Extraordinário 1.072.485/PR (Tema 985 da Repercussão Geral), cujo objeto é a incidência da contribuição previdenciária patronal (em regra, de 20%) sobre os valores pagos aos empregados a título de terço constitucional de férias, direito social previsto no art. 7º, inc. XVII, da CF/88.

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O julgamento, ocorrido por meio do Plenário Virtual, causou enorme perplexidade e preocupação entre aqueles que têm acompanhado a miríade de decisões em matéria tributária proferidas nos últimos meses, em especial os empresários, tendo em vista o surpreendente desfecho desfavorável aos contribuintes.

Em seu voto, o Min. Marco Aurélio Mello (Relator) manifestou entendimento - seguido pela expressiva maioria do colegiado (9x1) - no sentido de que não viola qualquer preceito constitucional a incidência da contribuição previdenciária patronal sobre o terço de férias, tendo sido fixada a seguinte tese jurídica: "É legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias". 

O entendimento veiculado no acórdão publicado em 02/10 - e aqui, diga-se, está a razão da perplexidade e preocupação - revela uma completa reviravolta no entendimento jurisprudencial dos tribunais superiores, incluindo o do próprio STF, já consolidado há praticamente 10 anos, no sentido de que a contribuição previdenciária patronal não poderia incidir sobre valores pertinentes ao adicional de férias. Não apenas a reviravolta foi surpreendente, mas também a fundamentação da decisão, que, com a devida vênia, parece não ter enfrentado pontos fundamentais da tese já consagrada e não justificou a adoção de resultado oposto ao de casos análogos.

Com efeito, a verba em questão cumpre função social importante, já que é um valor acrescido ao que o empregado recebe quando goza suas férias, a fim de que os aumentos de despesas ocorridos nesse período de descanso possam ser supridos e o descanso, efetivo. Isso denota o caráter compensatório e não remuneratório da verba, como pontuado pelo Min. Edson Fachin no único voto divergente da posição do relator.

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Nesse sentido, a posição histórica das cortes superiores é inegável. Uma das primeiras oportunidades em que a Primeira Seção do STJ apreciou a questão foi no longínquo ano de 2010. Na ocasião, o Min. Asfor Rocha, acompanhado à unanimidade pelos demais, constatou que, àquela altura, já era entendimento recorrente, nas duas Turmas que se dedicam à matéria tributária no STJ, quanto à ilegalidade da incidência, considerando a natureza indenizatória e não remuneratória da verba.

Posteriormente (2014), a mesma Primeira Seção, no julgamento do emblemático Recurso Especial 1.230.957/RS, já na sistemática dos recursos repetitivos (precedente vinculante!), reafirmou o entendimento de que a verba relativa ao terço de férias "possui natureza indenizatória/compensatória, e não constitui ganho habitual do empregado, razão pela qual sobre ela não é possível a incidência de contribuição previdenciária (a cargo da empresa)".

É de se notar que a análise da natureza jurídica da verba, que sempre foi matéria de natureza infraconstitucional segundo STF e STJ, em conjunto com a habitualidade (artigo 201, § 11, da CF) com que a prestação é paga, foi determinante para a conclusão a que chegaram os Ministros naquela oportunidade.

No STF a situação não é diferente, pois a corte já havia, por todos os seus órgãos, decidido favoravelmente aos contribuintes em diversas oportunidades: RE 587.941, rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 22.11.2008; AI 603.537, rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJe 30.03.2007; AI 712.880, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe 19.06.2009; RE 593.068, rel. Min Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe 21.03.2019, esse último submetido à Repercussão Geral - Tema 163 (também vinculante).

É bem verdade que os casos mencionados se referem à contribuição previdenciária do servidor público e não dos empregados submetidos à CLT. Entretanto, como muito bem concluiu o Min. Mauro Campbell Marques, que foi relator do REsp 1.230.957/RS, "não se justifica a adoção de entendimento diverso em relação aos trabalhadores sujeitos ao Regime Geral da Previdência Social. Isso porque o entendimento do Supremo Tribunal Federal ampara-se, sobretudo, nos arts. 7º, XVII, e 201, § 11, da CF/88, sendo que este último preceito constitucional estabelece regra específica do Regime Geral da Previdência Social". Em suma, em sendo o mesmo dispositivo constitucional a fundamentar o pagamento da verba a todos os empregados (privados e públicos), por que somente sobre o segundo grupo não recairia o dever de contribuir?

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Nesse sentido, causa estranheza o acórdão proferido pelo STF quando do exame do Tema 985. Embora essa decisão tenha utilizado os mesmos fundamentos lançados quando da análise do Tema 163 (art. 7º, XVII, da CF), a corte chegou a uma solução oposta, sem, contudo, ter feito a necessária distinção (distinguishing) ou evidenciado a superação de entendimento conforme determina o Código de Processo Civil.

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De todo modo, quando se tratava de adentrar na análise da natureza indenizatória ou remuneratória de alguma verba, cuja tributação pela contribuição previdenciária patronal se questionava frente à CF, o STF vinha mantendo o entendimento consolidado de que tal verificação é de cunho estritamente infraconstitucional (ou seja, matéria para o STJ), fugindo, portanto, da sua competência.

É o caso dos debates sobre o Aviso Prévio (ARE 745.901 - Tribunal Pleno); dos valores pagos nos quinze dias que antecedem o auxílio doença (RE 611.505); da natureza jurídica de verbas rescisórias para fins do imposto sobre a renda (AI 705.941); e das horas extras e adicionais noturno, de insalubridade, de periculosidade e de transferência (ARE 1.260.750), apenas para citar alguns exemplos.

Mesmo no RE 565.160/SC (Tema 20 da Repercussão Geral), cujo relator também foi o Min. Marco Aurélio, a análise da compatibilidade da cobrança de contribuição previdenciária sobre determinadas verbas discutidas no caso concreto (adicionais de periculosidade, insalubridade e noturno, gorjetas, prêmios, ajudas de custo e diárias de viagem, comissões) cingiu-se à verificação da habitualidade com que a prestação é paga, tendo concluído o Plenário que "a contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional nº 20/1998".

A leitura atenta de diversos votos que se pronunciaram naquele julgamento revela que qualquer debate sobre a natureza da verba não poderia ter lugar no STF, pois se trata de questão estritamente infraconstitucional. Por outro lado, na decisão do Tema 985 não é dito claramente o dispositivo constitucional que suportaria a natureza remuneratória da verba, nem justificada a alteração do posicionamento da corte quanto à questão.

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O que se tem, portanto, é que (i) o STF não analisava a natureza jurídica das verbas pagas aos trabalhadores e (ii) os tribunais superiores, incluindo o próprio Supremo, já haviam se manifestado pela não incidência da contribuição previdenciária patronal sobre o terço de férias. Tudo isso em sentido diametralmente oposto ao que ocorreu na sessão virtual realizada entre 21 e 28 de agosto de 2020, no RE 1.072.485/PR.

Desse modo, os embargos de declaração opostos pela parte e pelos amicus curiae devem ser acolhidos com efeitos infringentes, diante da falta de fundamentação suficiente na decisão em comparação com a sólida e histórica jurisprudência contrária das cortes superiores. Na pior das hipóteses, o STF deveria ao menos modular os efeitos da decisão, de modo que ela apenas alcance fatos geradores posteriores, para garantir os princípios da segurança jurídica e da confiança legitima, valores caros à república e cuja proteção também é de responsabilidade da Suprema Corte brasileira.

*Maurício Barros é sócio do Gaia Silva Gaede Advogados e doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP

*Jorge Henrique Fernandes Facure é sócio do Gaia Silva Gaede Advogados e especialista em Direito Tributário pela USP

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