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O Judiciário não é neutro e precisa estar do lado da democracia

por André Augusto Salvador Bezerra, presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia (AJD)

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Por Redação
Atualização:
 Foto: Estadão

A inserção do Judiciário como poder autônomo e independente é produto da evolução do Estado Moderno ocidental, que, sob a crença da gestão científica da sociedade, teoricamente apartou em setores estanques a Política do Direito. A primeira consistiria em tarefa dos poderes Executivo e Legislativo ao passo que o Direito consistiria em atribuição da atividade jurisdicional na solução dos conflitos de interesse.

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Por isso, a consideração do Judiciário como poder neutro, cujos membros, nas célebres palavras de Montesquieu, limitar-se-iam ao papel de boca da lei.

O Estado Moderno, porém, nunca foi neutro. A própria instituição do Estado de Direito a partir da Revolução Francesa de 1789 visou à concretização de um projeto de poder por parte de uma classe social que, na época, emergia como hegemônica.

Em tais termos, ao longo dos séculos, o regular funcionamento do sistema estatal objetivou o alcance de certos fins e fundamentos. Ao Judiciário, por consequência, como função do Estado, atribuiu-se historicamente o papel político e jurídico de atuar em direção a esses objetivos- ainda que por intermédio de juízes dotados do dever funcional de imparcialidade.

Vale dizer que o Judiciário tem um lado: o lado dos fins e fundamentos do Estado, seja ditatorial seja democrático.

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Esse raciocínio, como não poderia deixar de ser, aplica-se à realidade do Brasil. Em 1964, quando um golpe substituiu a democracia por uma ditadura civil-militar, o Judiciário brasileiro passou a atuar em sintonia aos escopos do Estado autoritário a partir de então construído, legitimando o regime. O decreto de prisões e o silêncio institucional perante as torturas contra quem ousava contestar o sistema configuram exemplos de ações do Judiciário (em que pese a heróica resistência individual de muitos magistrados) em favor de uma realidade estatal voltada à manutenção da ordem, o que era essencial à estabilidade e à segurança dos projetos empresariais realizados pelos grupos civis que apoiavam o regime.

A promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988 parecia ser a superação do quadro ditatorial. Ao positivar uma série de direitos essenciais à democracia, o legislador constituinte impôs ao Judiciário o dever de atuar em favor dos fundamentos e dos fins dessa nova realidade estatal, dentre os quais o pluralismo político (art. 1o, V da CF) e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3o, I da CF).

A realização do megaevento empresarial da Copa do Mundo de 2014 explicitou, contudo, as dificuldades de o Judiciário brasileiro adaptar-se a tais princípios democráticos. Bastou uma parcela da população ir às ruas exercer seu direito de protestar, colocando em risco o sucesso econômico da competição, para tornar claro as violações de princípios inerentes a um Estado Democrático de Direito: a presunção de inocência, o caráter excepcional da prisão, a ampla defesa e a integridade física dos cidadãos, em muitos casos, cedem lugar à violência policial na dispersão de manifestações e à execração pública somada à privação de liberdade de ativistas tratados como terroristas.

O mais grave é que esse quadro não é peculiaridade da Copa do Mundo. Na realidade, a ampla visibilidade internacional do evento serviu para tornar manchete o que faz parte do cotidiano de moradores das regiões mais carentes do Brasil. Não é de hoje que esses cidadãos sentem na pele os efeitos da ação de um Estado que reprime e criminaliza quem se mostra como obstáculo aos interesses de empreendimentos patrocinados por determinados grupos econômicos, tal como ocorria na ditadura pós-1964.

Daí essa mesma parcela da população reprimida, comumente, identificar o Judiciário como poder do Estado situado do lado da repressão. À primeira vista a causar estranheza, ante a democracia consagrada constitucionalmente; mas, em uma análise detida, compreensível sobre um braço estatal ainda governado por presidentes de tribunais eleitos por uma minoria e dotados de amplos poderes (inclusive o de designar, sem critérios objetivos e impessoais, os magistrados para determinadas varas) e cuja principal corte, o Supremo Tribunal Federal, é composta por membros nomeados sem qualquer participação da sociedade civil.

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No atual contexto de repressão levada ao grande público pela realização de megaeventos empresariais (lembrando que, dentro de dois anos, o Rio de Janeiro sediará as Olimpíadas), torna-se mais patente a necessidade de o Judiciário democratizar-se internamente. Eis um requisito essencial para, externamente, perante toda a sociedade brasileira, o Judiciário mostrar que está do lado de quem a Constituição determina: o lado da democracia.

Daí que a Associação Juízes para a Democracia apresentou proposta de instituição de critérios objetivos para a designação de juízes em São Paulo.

Conferir em: http://ajd.org.br/documentos_ver.php?idConteudo=158

A Associação Juízes para a Democracia apresentou à Presidenta da República proposta para democratizar a nomeação de ministros do STF.

O ofício dirigido à chefe do Executivo encontra-se disponível em: http://ajd.org.br/documentos_ver.php?idConteudo=161

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