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O ITCMD no exterior: nas veredas do STF

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Por Túlio Terceiro Neto Parente Miranda
Atualização:
Túlio Terceiro Neto Parente Miranda. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

"Fui eu? Fui e não fui. Não fui! - porque não sou, não quero ser". Essa é uma frase cunhada por Riobaldo - emblemático personagem e narrador de "Grande Sertão: Veredas", obra de Guimarães Rosa - o qual é conhecido por, com alguma frequência, formular raciocínios, utilizando-se de juízos contraditórios.

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O início do julgamento do Recurso Extraordinário n. 851.108, pelo STF, lembrou, em alguma medida, o discurso de Riobaldo, pela incompatibilidade entre a argumentação desenvolvida e a conclusão adotada pelo Ministro Relator Dias Toffoli, no voto disponibilizado em 23.10.2020.

Nele analisa-se, em regime de repercussão geral, a constitucionalidade da cobrança, pelos Estados, do ITCMD sobre as doações e heranças, se o doador tiver domicílio ou residência no exterior; e se o falecido possuísse bens, fosse residente ou domiciliado ou tivesse o seu inventário processado no exterior.

O Ministro Dias Toffoli apresentou seu voto, reconhecendo a inconstitucionalidade da tributação, ante a ausência da Lei Complementar regulando a competência para instituição do imposto, que é exigida pelo artigo 155, parágrafo 1º, inciso III, da CF.

No entanto, alegando que o Estado de São Paulo teria um impacto negativo orçamentário estimado de R$ 5,4 bilhões, nos próximos cincos anos, e que outras unidades federativas  também já tinham instituído o ITCMD sobre as hipóteses em questão, o Ministro votou pela modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, para que a decisão produzisse efeitos somente em relação aos fatos geradores que venham a ocorrer após a publicação do acórdão.

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De acordo com essa posição, apenas seria considerada indevida a cobrança do ITCMD sobre as doações e heranças transmitidas depois da publicação da decisão pelo STF, com o término do julgamento. Dessa forma, até esse marco temporal, todas as exigências feitas pelos Estados seriam validadas e todos os recolhimentos realizados pelos contribuintes tornar-se-iam irrestituíveis.

O voto do Ministro Relator foi acompanhado pelo Ministro Edson Fachin, tendo, em seguida, sido suspenso o julgamento por pedido de vista do Ministro Alexandre de Moraes. Apesar de não ter sido concluída a apreciação do recurso, o voto apresentado deixou os contribuintes e a comunidade jurídica preocupados.

Embora a inconstitucionalidade tenha sido corretamente admitida, não há racionalidade jurídica para a modulação dos seus efeitos, tendo em vista que não existem razões de segurança jurídica e de excepcional interesse social (Art. 27 da Lei n. 9.868/99).

Inegavelmente, não se alcança segurança jurídica e interesse coletivo com a validação para os Estados auferirem receitas com tributos indevidos à custa do contribuinte.

Legitimar a cobrança de um imposto inconstitucional, ao contrário, promove descrença no Direito, pois chancela a desobediência às próprias normas constitucionais que estruturam o sistema tributário. Gera-se, com isso, um encorajamento para criação de tributos inconstitucionais, na medida em que o Estado confiará na preservação da exigência irregular.

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A perda de arrecadação, em razão da inibição das cobranças ilegítimas, longe de caracterizar motivo para modulação de efeitos, é, justamente, a consequência regular e natural, para se restabelecer o estado de legalidade.

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É injusto e vai de encontro à moralidade administrativa obrigar o contribuinte a pagar um tributo declarado inconstitucional, a pretexto de proteger as contas do próprio ente público que instituiu o imposto em desconformidade com a Constituição.

Além disso, tomando como exemplo o Estado de São Paulo, verifica-se que o ITCMD representa apenas uma pequena fatia do orçamento. Para se ter uma ideia, do período de janeiro a julho de 2020, o valor total do imposto arrecadado - incluindo a parcela relativa aos fatos geradores sem vínculo com o exterior - representa somente 1,4% das receitas tributárias, de acordo com o próprio "Relatório da Receita Tributária do Estado de São Paulo", divulgado em agosto deste ano.

Na prática, caso o voto apresentado prevaleça, o contribuinte que agiu de acordo com a Constituição será injustamente penalizado, pois terá seu patrimônio desfalcado para saldar tributo indevido, acrescido de multa e acréscimos moratórios. Os que recorreram ao Judiciário, adicionalmente, deverão arcar com as custas judiciais e honorários de sucumbência.

O Estado de Direito não deve tolerar cobranças tributárias que são ao Direito contrárias. Caso confirmado pelo plenário o voto do Ministro Dias Toffoli, especificamente no que toca à postergação da declaração de inconstitucionalidade do ITCMD, a Suprema Corte prestigiará a arbitrariedade estatal e dará a César o que a César não pertence.

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*Túlio Terceiro Neto Parente Miranda, advogado e mestrando em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da USP

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