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O IOF e o Bolsa Família

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Por Rogério Tadeu Romano
Atualização:
Presidente Jair Bolsonaro. FOTO: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO Foto: Estadão

I - O FATO

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Segundo a Agência Brasil, o presidente Jair Bolsonaro editou no dia 16 de setembro do corrente ano um decreto para aumentar as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas transações de crédito de pessoas jurídicas e físicas. As novas alíquotas, que ainda não foram detalhadas, começam a valer a partir do dia 20 de setembro e têm validade até 31 de dezembro de 2021 deste ano.

O objetivo da medida é gerar uma arrecadação extra para custear o Auxílio Brasil, novo programa social de transferência de renda que substituirá o Bolsa Família. O valor do novo benefício, ainda não anunciado, deve ficar na faixa de R$ 300, segundo informou ontem (15) o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Para bancar o plano, o decreto presidencial deve elevar a alíquota anual do IOF de 1,5% para 2,04% para pessoas jurídicas. Isso representa uma alta na alíquota diária de 0,0041% para 0,00559%. Segundo o governo, em 2022, o financiamento do programa terá como fonte a recriação do imposto de renda sobre lucros e dividendos, que está em discussão no Senado Federal, como disse o Correio Braziliense.

"A medida irá beneficiar diretamente cerca de 17 milhões de famílias e é destinada a mitigar parte dos efeitos econômicos danosos causados pela pandemia", informou a Secretaria-Geral da Presidência da República.

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II - O DESATENDIMENTO A MANDAMENTOS CONSTITUCIONAIS E O BOLSA FAMÍLIA

Um tributo que tem natureza extrafiscal contribui para implementar um programa social como o Bolsa Família, de nítido caráter assistencialista e de fulcro político.

Utiliza-se um princípio econômico para lhe dar caráter social, mas de ética duvidosa.

Aliás, é de natureza de um imposto, forma de tributo, não ter destinação certa para efeito de despesa.

A própria Constituição Federal veda a destinação da receita dos impostos para alguma despesa específica, conforme dispõe o artigo 167, inciso IV, da Constituição Federal.. Ali se diz:

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Art. 167. São vedados:

......

IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino, como determinado pelo art. 212, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem assim o disposto no § 4º deste artigo;

Para muitos é um desatino.

Falta ao governo uma política social afirmativa no sentido de igualdades sociais.

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O governo federal não cumpre princípios impositivos que lhe foram impostos pela Constituição de 1988.

Diz o artigo 3.º da Constituição: "Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (i) construir uma sociedade livre, justa e solidária; (ii) garantir o desenvolvimento nacional; (iii) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; (iv) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".

O governo atual não cumpre o compromisso que fez de respeitar a Constituição quando omite a promoção de políticas públicas sociais. Vale lembrar que, no primeiro semestre, o País bateu recordes de desigualdade social. De acordo com o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), no período de janeiro a março, a desigualdade de renda proveniente do trabalho foi a maior da série iniciada no fim de 2012. Com tal cenário, não há espaço fiscal, cívico ou moral para conceder privilégios à base eleitoral, como bem esclareceu o Estadão, em seu editorial de 17 de setembro de 2021.

O atual bolsa família, da maneira como está, com dimensão eminentemente assistencialista e não social ética normativa, não atende, por si só a esse mandamento constitucional.

III - O IOF

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Passo ao IOF.

O imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários incide sobre:

- operações de crédito realizadas:

a) por instituições financeiras; b) por empresas que exercem as atividades de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos, administração de contas a pagar e a receber, compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring); c) entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física;

II - operações de câmbio; III - operações de seguro realizadas por seguradoras; IV - operações relativas a títulos ou valores mobiliários; V - operações com ouro, ativo financeiro, ou instrumento cambial.

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Não se submetem à incidência do IOF as operações realizadas por órgãos da administração direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e, desde que vinculadas às finalidades essenciais das respectivas entidades, as operações realizadas por:

I - autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público; II - templos de qualquer culto; III - partidos políticos, inclusive suas fundações, entidades sindicais de trabalhadores e instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei.

O fato gerador do IOF é a entrega do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação ou sua colocação à disposição do interessado.

A teor do artigo 66 do Código Tributário Nacional, contribuinte do imposto é qualquer das partes na operação tributada, como dispuser a lei. O Código Tributário Nacional, lei complementar material, deixou o assunto ao legislador ordinário.

São responsáveis pela cobrança do IOF e pelo seu recolhimento ao Tesouro Nacional:

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I - as instituições financeiras que efetuarem operações de crédito; II - as empresas de factoring adquirentes do direito creditório; III - a pessoa jurídica que conceder o crédito, nas operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros.

O imposto sobre operações financeiras ou sobre operações de crédito, câmbio, seguro, ou relativas a títulos e valores mobiliários passou a ter suas alíquotas alteradas pelo Poder Executivo através de simples atos administrativos, sem submissão, na majoração, aos princípios da legalidade e da anterioridade, pois é instrumento hábil de extrafiscalidade, na área do mercado financeiro. Trata-se de uma exceção ao princípio da legalidade formal.

Há ainda uma exceção na aplicação desse imposto ao princípio da anterioridade tributária(artigo 150, inciso III, b, c, da Constituição), em regra que determina que não poderá ser cobrado tributo no mesmo exercício financeiro me que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou ou antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada em lei.

O IOF, assim como o IPI, está dentro do que se chama exceção ao regime da anterioridade(não surpresa do contribuinte) de modo que podem ser cobradas majorações dele assim como dos impostos de importação, exportação, imposto extraordinário de guerra(artigo 154, II, CF), empréstimo compulsório para atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública de guerra externa ou sua iminência(artigo 148, I, CF). Essa quebra do principio da anterioridade com relação ao IPI, assim como outros impostos relacionados, ocorre apenas na majoração. A modificação, via alteração de alíquotas, depende de ato administrativo(art. 153, § 1º).

O imposto está ao dispor do Executivo, mas observadas as condições e limites fixados em lei.

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A lei referenciada deve ser complementar, que trate de normas gerais tributárias, reguladora do fato gerador do imposto.

Tem-se na redação do artigo 63 do Código Tributário Nacional:

Art. 63. O imposto, de competência da União, sobre operações de crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários tem como fato gerador:

I - quanto às operações de crédito, a sua efetivação pela entrega total ou parcial do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado; II - quanto às operações de câmbio, a sua efetivação pela entrega de moeda nacional ou estrangeira, ou de documento que a represente, ou sua colocação à disposição do interessado em montante equivalente à moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta à disposição por este; III - quanto às operações de seguro, a sua efetivação pela emissão da apólice ou do documento equivalente, ou recebimento do prêmio, na forma da lei aplicável; IV - quanto às operações relativas a títulos e valores mobiliários, a emissão, transmissão, pagamento ou resgate destes, na forma da lei aplicável.

Parágrafo único. A incidência definida no inciso I exclui a definida no inciso IV, e reciprocamente, quanto à emissão, ao pagamento ou resgate do título representativo de uma mesma operação de crédito.

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A lei faz menção a operação de crédito de que é principal exemplo o chamado mútuo feneraticio o empréstimo de dinheiro a juros. Para Baleeiro(Direito tributário brasileiro, 9ª edição, pág. 246) estão envolvidas ainda as várias operações de crédito que usualmente constituem os negócios dos bancos e empresas financiadoras. A fiança, a caução estão nesse número.

O fato gerador do artigo 63, I, do CTN faz brotar o fato gerador da efetividade da operação com a entrega total ou parcial do montante ou do valor ou sua colocação à disposição do interessado em banco ou alhures. Assim não há necessidade de documento comprobatório emitido pelo devedor ou beneficiário do crédito, pois basta que a efetivação do negócio seja inequívoca pelos fatos que o dispositivo indica.

Fala-se em operações de câmbio.

Em se tratando de operações cambais constitui fato gerador a efetivação pela entrega de moeda, ou pela do documento que as represente ou sua colocação à disposição do interessado em montante equivalente seja nacional, seja estrangeira.

Nos contratos de seguro de qualquer natureza vincula-se a efetivação à emissão do documento típico - a apólice lavrada pelo segurador.

Fala-se em títulos e valores mobiliários.

Títulos são genericamente os instrumentos ou documentos que expressam e provam os créditos. Mas no inciso IV do artigo 63, o sentido se reveste de caráter especial para designar papeis autônomos que, nascidos de uma fonte jurídica contém extrinsecamente elementos de certeza e liquidez e possibilitam a sua expedita e segura negociação em Bolsas de Valores, ou mesmo fora dela.

Títulos são os das sociedades anônimas, bancos, nominativos ou ao portador, como debêntures, obrigações negociáveis, apólices da dívida pública da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

No julgamento do RE nº 190.363/RS, o Plenário desta Corte assentou que, nas operações com ouro, como ativo financeiro ou instrumento cambial, incide IOF apenas na operação de origem.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido da constitucionalidade do inciso I do art. 1º da Lei 8.033/1990, que trata da incidência do IOF sobre transmissão ou resgate de títulos mobiliários, públicos e privados, inclusive de aplicações de curto prazo, tais como letras de câmbio, depósitos a prazo com ou sem emissão de certificado, letras imobiliárias, debêntures e cédulas hipotecárias.

No julgamento do AI 724793/SP, Relator Ministro Marco Aurélio, DJe de 9 de maio de 2011, decidiu-se que o texto da alínea "c" do inciso VI do artigo 150 é categórico ao revelar a imunidade quanto ao patrimônio e renda de entidades de assistência social que não tenham fins lucrativos.

O Supremo Tribunal Federal submeteu na matéria à repercussão geral:

a) No RE 611510 RG/SP, DJe de 22 de novembro de 2010: TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. ART. 150, VI, C, DA CF. ENTIDADES SINDICAIS, PARTIDOS POLÍTICOS, INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO E DE ASSISTÊNCIA SOCIAL SEM FINS LUCRATIVOS. IOF SOBRE APLICAÇÕES FINANCEIRAS DE CURTO PRAZO. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

b) No RE 583712 RG / SP, DJe de 18 de setembro de 2008: CONSTITUCIONAL. IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS. INCIDÊNCIA SOBRE TRANSMISSÃO DE AÇÕES DE COMPANHIAS ABERTAS E DAS CONSEQUENTES BONIFICAÇÕES EMITIDAS. ART. 153, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. Questão relevante do ponto de vista econômico e jurídico.

c) No RE 590186 RG/RS, DJe de 25 de setembro de 2008: DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS. INCIDÊNCINAS OPERAÇÕES DE MÚTUO PRATICADAS ENTRE PESSOAS JURÍDICAS OU ENTRE PESSOAS JURÍDICAS E PESSOAS FÍSICAS SEGUNDO AS MESMAS REGRAS APLICÁVEIS ÀS OPERAÇÕES PRATICADAS PELAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 13 DA LEI Nº 9.779/99. PRESENÇA DE REPERCUSSÃO GERAL.

A base de cálculo do IOF é traçada no artigo 64 do CTN:

Art. 64. A base de cálculo do imposto é:

I - quanto às operações de crédito, o montante da obrigação, compreendendo o principal e os juros; II - quanto às operações de câmbio, o respectivo montante em moeda nacional, recebido, entregue ou posto à disposição; III - quanto às operações de seguro, o montante do prêmio; IV - quanto às operações relativas a títulos e valores mobiliários:

a) na emissão, o valor nominal mais o ágio, se houver; b) na transmissão, o preço ou o valor nominal, ou o valor da cotação em Bolsa, como determinar a lei; c) no pagamento ou resgate, o preço.

IV - CONCLUSÕES

Trata-se de um imposto que encarece o crédito, justamente em um momento em que as famílias passam por pesados ônus financeiros e algumas delas simplesmente "quebraram", chegando ao "fundo do poço" da insolvência. Isso não é política social sob postulado constitucional. È forma de levar ás famílias, que usam o seu cartão de crédito, para fazer suas compras, ou se endividam, a cair cada vez mais em um "atoleiro" econômico-social, empobrecendo, para manter um programa de nítido caráter demagógico que não cumpre os mandamentos constitucionais expostos no artigo 3º da Constituição antes aludido, pois, como está formulado, o atual Bolsa Família não erradica a pobreza, servindo de meio para o governo angariar votos. Tudo isso, infelizmente.

*Rogério Tadeu Romano, procurador regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado

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