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O indulto e a superpopulação carcerária

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Por Mário de Magalhães Papaterra Limongi
Atualização:
Mário de Magalhães Papaterra Limongi. FOTO: MARCIO FERNANDES/ESTADÃO  

O recente indulto de natal, de iniciativa do Presidente da República, por potencialmente beneficiar condenados pela prática de crimes como corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha, entre outros, provocou forte reação da opinião pública e motivou iniciativa da Procuradoria Geral de Justiça, acolhida pela Presidente do Supremo Tribunal Federal, que, por decisão monocrática, suspendeu os efeitos de artigos do decreto.

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Para uma melhor análise do tema, alguns aspectos devem ser pontuados:

1- É indiscutível que a iniciativa do indulto é de competência privativa do Presidente da República, não cabendo ao Poder Judiciário, em regra, apreciar os limites de sua extensão;

2- De há muito, há uma tendência de aumentar o número de condenados que possam ser beneficiados com o indulto. Assim é que até a década passada, o benefício se destinava apenas aos que tivessem sido sentenciados a menos de seis anos de prisão e já tivessem cumprido um terço da pena. A partir de 2000, o limite da pena passou a ser de doze anos de prisão e o prazo de cumprimento da pena caiu para um quarto (decreto de 2016);

3- O decreto deste ano foi ainda mais benevolente ao permitir que o benefício seja concedido a quem cumpriu um quinto da pena, o que convenhamos (para usar de uma expressão do agrado do Presidente da República), é um evidente exagero.

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4- Todos os indultos natalinos, declaradamente, visam diminuir a população carcerária com o argumento de que a pena privativa de liberdade deve ser destinada exclusivamente a réus perigosos, assim entendidos aqueles que praticam crimes mediante violência ou grave ameaça- homicidas, assaltantes, sequestradores e estupradores.

Estabelecidas tais premissas, inevitável se concluir que o último indulto presidencial merece a reação com que foi recebido.

Em primeiro lugar, se é verdade que o indulto tem por objetivo diminuir a população carcerária, como se justifica que a benesse tenha sido concedida também para penas de multa?

Em segundo lugar, é preciso desmistificar a afirmação de que só são perigosos e merecem encarceramento os que praticam crimes mediante violência física ou grave ameaça contra as vítimas.

Afinal, quem representa mais risco à sociedade: o pequeno roubador que subtrai mediante ameaça com arma de brinquedo um aparelho celular ou o membro de organização criminosa que frauda licitação, superfatura obra pública, corrompe, sonega impostos e lava dinheiro com empresas fantasmas?

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Não se nega que a superpopulação carcerária é questão grave que deve ser enfrentada com a máxima urgência.

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Sucede, no entanto, que a número de condenados pela prática de crimes contra a administração pública é absolutamente insignificante e em nada contribui para a triste realidade das nossas penitenciárias.

Os chamados crimes de colarinho branco, por serem praticados por pessoas tidas, até a descoberta de seus crimes, como corretas e até beneméritas, merecem tratamento diferenciado, o que, aliás, foi reconhecido membros do Conselho de Politica Criminal e Penitenciária vinculado ao Ministério da Justiça, que emitiram parecer para que fossem excluídos do indulto os condenados pela prática de crimes contra a administração pública.

A experiência mostra que as pessoas envolvidas com corrupção só se intimidam com a possibilidade de serem presos.

Não por acaso, arrogantes empresários e políticos, após várias bravatas, aderiram a propostas de delação premiada.

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Diretores de estatais, de empreiteiras, lobistas e políticos que se associam são, evidentemente perigosíssimos, ainda que seus crimes sejam praticados sem o emprego de violência.

O triste exemplo do Rio de Janeiro fala por si só.

A possibilidade de indulto com o cumprimento de apenas um quinto da pena para quem se apropriou de dinheiro público, constitui iniciativa que afronta toda a sociedade brasileira.

A palavra está com o Supremo Tribunal Federal.

*Mário de Magalhães Papaterra Limongi Procurador de Justiça

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