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O governo tem sido vítima de sua própria estratégia protelatória

Por Fábio Martins de Andrade
Atualização:
Fábio Martins de Andrade. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O governo federal tem uma oportunidade ímpar nas mãos. Quando se dispõe a discutir e pensar a reforma do sistema tributário nacional, abre a auspiciosa possibilidade de corrigir erros que têm tornado praticamente insustentável a vida dos contribuintes brasileiros, geralmente pessoas jurídicas que buscam maior competitividade no mercado (nacional ou global).

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Uma das soluções que certamente livrará o contribuinte de complexas discussões jurídicas perante o Poder Judiciário diz respeito à não inclusão de um tributo sobre a base de cálculo de outro, como ocorre, por exemplo, no caso da exclusão do ICMS da base de cálculo da Cofins e do PIS, decidido definitivamente pelo STF em 15.3.2017 no RE 574.706, com repercussão geral.

A PGFN alardeia periodicamente o suposto "rombo" nas contas públicas que seria causado pela recuperação do indébito indevidamente apropriado pela Administração Tributária. Sobram razões jurídicas para contraditá-la, o que, aliás, temos feito nos últimos anos.

Nesse espaço, gostaríamos apenas de enfatizar um ponto específico sobre toda essa discussão. Em 2006, quando o STF virtualmente decidia nesse mesmo sentido com o resultado parcial de seis votos favoráveis aos contribuintes e apenas um contrário, quando o ministro Gilmar Mendes pediu vista dos autos do RE 240.785, ali já seria oportuno que o governo federal adotasse todas as medidas necessárias para "conter" o que seria a perda provável a ser esperada no desfecho daquele caso que, em razão de manobra processual engendrada pelo AGU, só veio a ser concluído em 2014.

Como se não bastasse, em 2017, finalmente foi decidido definitivamente o RE 574.706, reiterando aquela decisão anterior, mas agora com repercussão geral. Ao governo federal caberia, novamente e aqui com mais razão, adotar as providências necessárias para "conter" o que seria a perda não mais provável, mas efetiva, inclusive com a mudança legislativa que adequasse a legislação ao pronunciamento do STF, preferencialmente simplificando as obrigações acessórias e unificando as contribuições sociais (PIS e Cofins). Nada disso foi feito. Ao contrário, a PGFN opôs embargos de declaração com o escopo de rediscutir o julgamento de mérito e pedindo a modulação temporal da decisão.

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Desde então, a despeito dos trânsitos em julgado que estão ocorrendo pelo Brasil afora, os pedidos de levantamento de depósitos estão sendo questionados pelas PFNs, ao argumento de trazer ao Judiciário a atividade fiscalizatória que incumbe à RFB quando da compensação dos créditos, com pedidos que muitas vezes beiram o crime de excesso de exação previsto no Código Penal. Além disso, a RFB, por seu turno, contrapõe todos os empecilhos imagináveis para limitar o alcance do acórdão emanado pelo STF no leading case, em claro desrespeito à Suprema Corte brasileira. Essa atitude irresponsável, e até subversiva, de tais órgãos e funcionários públicos encontram eco, como no acórdão recentemente emanado do Carf, no qual se decidiu que aquele órgão seguiria uma orientação do STJ (ultrapassada, que teve suas súmulas canceladas) a prevalecer sobre o sólido precedente emanado pelo STF.

O STF, logicamente, abarrotado de causas e recursos que incumbe dar a última palavra, tarda a pautar o recurso protelatório da PFN, até pela pouca importância jurídica a que se reveste a intenção de rediscutir o mérito. Em escala de prioridade, certamente, estão questões candentes que precisam de sua definição, e não rejulgamentos de casos já decididos. É compreensível que seja assim.

Se o processo civilizatório no País estivesse caminhando, a discussão talvez não girasse mais em torno desse caso, já decidido em 2017 pelo STF, mas focaria a responsabilidade dentro do governo federal de quem não adotou as providências em 2017, 2014 e até 2006, no sentido de minimizar eventual impacto que já se sabia (ou se esperava) negativo. E o que seria necessário para corrigir tal defasagem na gestão da carteira de processos da AGU/PGFN.

Nesse caso específico, em 30.4.2019, a PGR surpreendentemente protocolou uma petição requerendo vista dos autos para se manifestar quanto ao mérito, sob a alegação de que não teve essa possibilidade, vez que se limitou a dizer, em 2008, que a ADC 18 deveria ter precedência sobre o RE 574.706. Como patrono do caso, protocolamos em 3.5.2019 uma petição pedindo que a relatora, ministra Cármen Lúcia, indefira o pedido da ilustre PGR, seja porque houve sim, manifestação do Dr. José Bonifácio Borges de Andrada, com assento naquela sessão de julgamento, que inclusive se pronunciou (quanto ao mérito) no sentido de provimento do recurso extraordinário interposto pela empresa contribuinte. Além disso, causa enorme estranheza tal pedido, depois de transcorridos quase dois anos da oposição daqueles embargos.

Voltando à oportunidade ímpar que o Governo agora tem nas mãos. Com a reforma tributária tem-se múltiplos objetivos que podem ser alcançados: 1.º) simplificação das obrigações acessórias (pleito antigo dos contribuintes); 2.º) simplificação das incidências, eliminando os variados regimes (como já reconhecido pelo próprio min. Dias Toffoli como "lei ainda constitucional" caminhando a passos largos para a inconstitucionalidade); 3.º) simplificação das incidências de alguns tributos sobre as bases de outros (como no caso aqui em foco); 4.º) e principalmente, a mudança da cultura dos governantes e dirigentes (com maior responsabilidade fiscal quanto aos litígios).

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Talvez a partir daí o governo se livre de sua sina de ser vítima de sua própria estratégia protelatória e passe a caminhar rumo a uma maior pacificação na relação com os contribuintes. Vale a pena sonhar!

*Fábio Martins de Andrade, sócio do Andrade Advogados Associados

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