Mário de Magalhães Papaterra Limongi*
18 de dezembro de 2020 | 11h00
Mário de Magalhães Papaterra Limongi. FOTO: MARCIO FERNANDES/ESTADÃO
Durante o ano que se finda, muito se falou a respeito da autonomia das instituições, em especial da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, em razão de posturas do governo Bolsonaro.
Como é sabido, uma das razões para a exoneração do Ministro Sérgio Moro, expostas em manifestação oficial, foi o fato de o Presidente da República entender que deveria ter diariamente um relatório da Polícia Federal “do que aconteceu, em especial nas últimas 24 horas, para bem decidir o futuro dessa nação” (o tempo se encarregou de demonstrar que a preocupação do Presidente, longe de ser o interesse público, era o destino de investigações contra seu filho, investigado pela prática de peculato ou “esquema das rachadinhas” como eufemisticamente chamado).
Também é sabido, que o Presidente da República desconsiderou tradição de respeito a lista tríplice elaborada pelo Ministério Público Federal Geral com a nomeação para o cargo de Procurador-Geral da República de quem sequer se deu ao trabalho de submeter seu nome à apreciação dos colegas.
Não por acaso todas as principais medidas do atual Procurador-Geral da República, em especial a desativação das forças-tarefas, justa ou injustamente, são vistas como de interesse do Presidente da República e de seu novo grupo de sustentação política, o centrão.
Mais recentemente, a questão da autonomia das instituições volta à baila quando se discute a vacinação contra a Covid 19.
Como é notório, o governo Bolsonaro adotou uma posição negacionista a ponto de demitir dois ministros médicos que insistiram em advertir sobre a gravidade do problema.
O número de mortos e infectados, por mais que o governo tenha negado o problema, levou a uma corrida para a imunização por meio de vacinas.
Justamente em razão de sua postura negacionista, o governo federal, ao contrário de todos os demais governos- inclusive aqueles que também, em um primeiro momento, minimizaram o problema- simplesmente não tem um plano para a vacinação.
Apostou todas as suas fichas em uma única vacina e, ao que parece, terá dificuldades de logística (supostamente a especialidade do leigo que ocupa o cargo de Ministro da Saúde) para implementar a vacinação em todo o território nacional.
Salta aos olhos de todos que, para uma imunização que permita atingir a demanda (há demanda, ministro, não tenha dúvida), todas as vacinas são benvindas.
Considerando que o Chefe do Executivo já chegou a comemorar em rede social a morte de voluntário no teste da vacina desenvolvida pelo Instituto Butantã, é legítimo se imaginar que fará esforço pessoal para que a Anvisa- órgão que necessariamente deve agir com autonomia- rejeite ou, ao menos, retarde a aprovação da vacina Coronavac por ele chamada de “chinesa”.
Há vários indicativos que permitem duvidar da postura isenta do Ministério da Saúde. O próprio ministro já afirmou, ao ser desautorizado publicamente a respeito da vacina Coronavac, que “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.
É de se esperar, no entanto, que os técnicos da Anvisa não se submetam a qualquer pressão, ajam com autonomia e baseados apenas na ciência.
As instituições são permanentes e os governos transitórios.
Aqueles que se submetem a pressões, cedo ou tarde, serão cobrados.
Dois fatos me levam a ser otimista.
O governo, pressionado pela marcha dos acontecimentos em todo o mundo com o aumento de mortes e infecções e o início das vacinações, apresentou ao Supremo Tribunal Federal seu plano que teria contado com o auxílio de técnicos. Imediatamente, vários técnicos citados, vieram a público para dizer que sequer tinham conhecimento do teor do plano. Agiram tais técnicos cientes de que não podem ter seus nomes envolvidos na evidente omissão e falta de visão pública do governo federal.
De outro lado, o Ministério Público do Rio de Janeiro, que, até agora, realiza trabalho elogiável na condução das investigações sobre a conduta de um dos filhos do Presidente da República, elaborou lista tríplice para o cargo de Procurador-Geral de Justiça com a rejeição de nome claramente vinculado aos interesses de Jair Bolsonaro e família.
A reação dos técnicos da área da saúde e dos membros do Ministério Público do Rio de Janeiro indica que as instituições sabem preservar a autonomia.
Boa notícia em tempos difíceis.
*Mário de Magalhães Papaterra Limongi, procurador de Justiça e diretor do Movimento do Ministério Público Democrático
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