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O golpe da corda frouxa

Por Theodoro Balducci de Oliveira
Atualização:
Theodoro Balducci de Oliveira. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Na semana passada o general (da ativa) Luiz Eduardo Ramos, Ministro Chefe da Secretaria de Governo do Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, afirmou em entrevista ser ultrajante e ofensivo considerar a hipótese de golpe militar no Brasil. Mas o fez para logo depois desdizer a si mesmo e, em tom nada dúbio, afirmar que o "o outro lado" tem que entender que, para isso, não pode esticar a corda.

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Questionado acerca do que se referia, exatamente, o general/ministro esclareceu que "[c]omparar o presidente a Adolf Hitler é passar do ponto, e muito." Afinal, "Hitler exterminou 6 milhões de judeus. Fora as outras desgraças." Disse, ainda, que tampouco seria "plausível achar que um julgamento casuístico pode tirar um presidente que foi eleito com 57 milhões de votos."

A primeira referência, implícita, foi à mensagem enviada pelo decano do Supremo Tribunal Federal aos demais ministros da Corte, comparando o Brasil atual à Alemanha dos anos 1930 - não o Presidente da República ao líder nazista. O tom de alerta aludia à destruição da República de Weimar e sua constituição progressista, após a formalmente legítima indicação de Adolf Hitler ao cargo de Chanceler da Alemanha em 1933 pelo presidente Paul von Hindenburg - que, apesar de o ter derrotado nas eleições presidenciais do ano anterior, reconhecia a força do partido nazista no Reichstag e via a necessidade de um "pacto pela governabilidade".

A comparação feita pelo ministro Celso de Mello, portanto, foi com a sempre presente possibilidade de a destruição da democracia ocorrer a partir de si mesma, não com o extermínio de milhões de pessoas e "outras desgraças". Aquela se mostra absolutamente pertinente no Brasil atual, já que - dentre outros possíveis exemplos, inclusive o da manifestação do general/ministro Luiz Eduardo Ramos que inaugura este artigo -,  Eduardo Bolsonaro (o deputado federal mais votado da história) fala de forma aberta e reiterada na possibilidade de golpe de Estado, tendo inclusive afirmado na mais recente delas que já "não é mais uma opinião de se, mas de quando" ocorrerá a ruptura institucional. A comparação com o genocídio e outras atrocidades cometidas pelo líder nazista ficou mesmo por conta do general/ministro Luiz Eduardo Ramos, ainda que a fim de refutá-la. Não fora feita pelo ministro Celso de Mello.

Mas é o segundo esclarecimento acerca do que seria esticar a corda que realmente importa e chama a atenção, especialmente porque diz com ato futuro e de resultado ainda incerto: o cada vez mais próximo julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral que pode redundar na cassação da chapa Bolsonaro-Mourão. Para o general/ministro Luiz Eduardo Ramos, "julgamento casuístico" seria "[u]m julgamento do Tribunal Superior Eleitoral que não seja justo." E por justo, claro, entende apenas o resultado que beneficia o governo do qual faz parte.

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Para além de apresentar a consequência prática da interpretação esdrúxula que alguns têm feito do artigo 142 da Constituição Federal de 1988, no sentido de que as Forças Armadas teriam a função de moderar eventuais conflitos entre os poderes constitucionais (Executivo, Legislativo e Judiciário), a manifestação do general/ministro Luiz Eduardo Ramos é mais uma entre tantas recentes que visa a emparedar o Poder Judiciário.

A tese, aliás, foi expressamente afastada pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, nos autos da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADI) 6457, embora tenha sido reafirmada, com amparo mais nos tanques do que no texto constitucional, em nota subscrita pelos Presidente e Vice Presidente da República e, ainda, pelo Ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva, para quem as Forças Armadas não cumprem ordem absurdas - como a tomada de Poder -, mas tampouco "aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos." Referida nota endossa e reitera, portanto, a manifestação em entrevista do general/ministro Luiz Eduardo Ramos.

O quadro é da maior gravidade. As Forças Armadas têm sido, de maneira crescente em frequência e relevância, publicamente colocadas como julgadoras das decisões tomadas pelos juízes supremos da República, ao arrepio do texto constitucional e mediante a constante e impune advertência de golpe militar.

Resta a expectativa de que o Tribunal Superior Eleitoral não se deixe intimidar e julgue a legitimidade da eleição da chapa Bolsonaro-Mourão sem quaisquer peias e norteado apenas pelas provas constantes dos autos e pelo direito vigente na República. O resultado dessa equação é menos importante do que o respeito às suas formas.

De qualquer modo, é importante que se tenha em conta o seguinte: se o preço a se pagar pela não ocorrência de ruptura institucional é a constante submissão das instituições da República aos interesses do governo de turno, então já não se vive sob normalidade democrática. A pretexto de não esticar a corda, não é possível que as instituições se conformem silentes ao jugo de seus captores, como o fazem os elefantes adultos, que, amarrados a uma simples estaca desde tenra idade, passam a acreditar que o instrumento que os prende a uma vida submissa será sempre mais forte do que sua capacidade de libertação.

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Cães que muito ladram não mordem, diz o adágio popular. Difícil é atestar a exatidão de tais considerações e, ainda mais, sua eventual aplicabilidade a determinados setores das Forças Armadas. Quando se trata de garantir a democracia e a independência do Poder Judiciário, porém, a lassidão e o medo conformam o golpe: o golpe da corda frouxa. Para escapar a esse problema de vício circundante, só mesmo não se submetendo a seus contornos. Se cães que ladram mordem, afinal, ao menos a ferida ficará exposta.

A história nos cobrará a todos.

*Theodoro Balducci de Oliveira, mestre em Ciências Criminais pela PUCRS; especialista em Direito Penal Econômico pela FGVSP (GVlaw); pós-graduado em Processo Penal pela Universidade de Coimbra. Advogado criminal

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