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O futuro não só a nós pertence

Por Fernando Valente Pimentel
Atualização:
Fernando Valente Pimentel. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O novo relatório sobre a pandemia elaborado pela Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), intitulado "Enfrentar os efeitos cada vez maiores da Covid-19 para uma retomada com igualdade", contém números e projeções desafiadores. A previsão de queda do Produto Interno Bruto regional em 2020 é de 9,1%. Isso significará um retrocesso de 10 anos no PIB per capita, que voltará a ser igual ao de 2010.

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Traduzindo a frieza estatística para a dura realidade social que ela retrata, o desemprego na região deverá fechar o ano em 13,5% (dois pontos percentuais acima da previsão anterior, de abril, e 5,4 em relação a 2019). Serão 44,1 milhões de latino-americanos e caribenhos sem trabalho e renda, o equivalente a toda a população da Argentina. Trata-se de 18 milhões a mais do que no ano anterior. É quase uma Grande São Paulo inteira sendo empurrada para a exclusão pelo coronavírus. No Brasil, o recuo do PIB per capita será de 9,2%, com mais de 13 milhões de desempregados.

O novo relatório da Cepal, entidade integrante da ONU, é oportuno neste momento em que o multilateralismo tem sido bastante contestado, com várias nações devendo para organismos e programas da ONU e confrontando instituições como a Unesco, na área da educação e cultura, e a própria Organização Mundial da Saúde (OMS). Em contraste com essas ameaças de dispersão, o cenário da América Latina e Caribe demonstra não ser possível uma solução hermética no contexto de cada país, pois as fronteiras, incapazes de conter o vírus, também não são imunes à fome, à miséria e à luta pela sobrevivência.

Por isso, mais do que criticar, inadimplir e desertar da ONU, seria interessante reinventá-la ante a demanda de um mundo mais solidário e empresas mais comprometidas com o desenvolvimento sustentável nos planos econômico, social, ambiental e de governança. A entidade completa 75 anos em 2020. Foi criada, em outubro de 1945, sobre os escombros da Segunda Guerra, com o propósito de estabelecer a cooperação entre os povos para reconstruir um planeta arrasado por 60 milhões de mortos, numa nova proposta de paz e solidariedade. Muitos dos objetivos foram alcançados, embora persistam numerosos problemas.        

Agora, novamente a humanidade precisa conjugar o verbo "reconstruir", pois a pandemia é a maior crise enfrentada desde aquele horrível conflito. Seria muita pretensão acreditar que cada país possa sair sozinho da difícil situação. Será necessário compartilhar vacinas, remédios, alimentos, tecnologia, bens industriais, commodities agrícolas e energéticas, recursos humanos qualificados e até créditos de carbono, se quisermos, de fato, delinear o futuro com base nas lições aprendidas no duro enfrentamento da Covid-19. Isso significa promover desenvolvimento mais focado na qualidade da vida, redução das desigualdades, inclusão socioeconômica e preservação ambiental.

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Por mais que o coronavírus tenha alertado sobre a necessidade de as nações serem menos dependentes do exterior em cada cadeia produtiva, também enfatizou que a cooperação é um caminho essencial para a humanidade. É nesse contexto que o Brasil empenha-se em ingressar na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que congrega, em paralelo ao sistema da ONU, os países mais desenvolvidos.

Tornar-se membro do "clube dos ricos" pode ser um passo importante, mas precisamos solucionar problemas históricos, começando pelo equilíbrio das contas públicas, necessário para viabilizar mais investimentos em educação, saúde, segurança, criação e distribuição de renda por meio da geração de empregos. Não basta ser signatário da OCDE. Precisamos trabalhar para nos aproximar, de modo cada mais rápido, dos seus indicadores socioeconômicos e atender à demanda escancarada pelo vírus. E podemos fazer isso com políticas públicas internas eficazes, realização de todas as reformas basilares há muito reclamadas e, ao mesmo tempo, sendo protagonistas do multilateralismo. Para isto, afinal, temos substantivo cacife como produtores de alimentos, biocombustíveis e commodities agrícolas, indústria bem estruturada, capital intelectual de alto nível e recursos naturais abundantes.

O Brasil, como todos os países, não conseguirá reconstruir isoladamente o amanhã pós-coronavírus. Entretanto, tem potencial e o dever de solucionar seus históricos problemas e exercer liderança, principalmente na América Latina, bem como forte influência no cenário de um mundo que se espera mais solidário, comprometido com o social, o bem-estar do ser humano e a preservação dos recursos naturais. Depende de nós e da sociedade global edificar esse futuro redefinido pelas lições que estamos aprendendo na pandemia!

*Fernando Valente Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit)

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