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O fim do voto de qualidade no Carf: pertinência e perspectivas

Por Victor Corradi e Emily Costa
Atualização:

Victor Corradi e Emily Costa. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A Medida Provisória 899/19, batizada como "MP do Contribuinte Legal", estava prestes a perder sua validade no último 25 de março, quando o Senado Federal apressou a votação do projeto de sua conversão em lei (em votação unânime), ante à atual crise causada pelo novo coronavírus. Em um cenário de tantas incertezas e insegurança para os contribuintes, a postura do Congresso de aprovar a conversão da medida trará certo alívio. O texto final ainda será remetido para sanção presidencial, de modo que devemos ter novidades acerca do tema nos próximos dias.

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Dentre aqueles abordados no projeto de lei, um dos assuntos mais relevantes e polêmicos é a extinção do voto de qualidade - também conhecido como voto de Minerva - no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais ("Carf").

O artigo 29 do projeto de conversão consigna que, caso haja empate de votos no julgamento de processo administrativo que discuta crédito tributário no Carf, a questão deverá ser resolvida de forma favorável ao contribuinte, extinguindo o atual voto de qualidade - que nada mais é do que o desempate pelo voto do Conselheiro Presidente, sempre representante da Fazenda Nacional.

No Carf, essa paridade é buscada há tempos pelos contribuintes, sendo que a mudança trazida pela lei recém votada nada mais é do que a aplicação pura e simples de princípios consolidados na Constituição Federal - que, portanto, já deveria ter sido concretizada há anos. Em histórico legislativo recente, já se havia buscado, sem sucesso, a extinção do voto de qualidade por meio do projeto de conversão da MP nº 783/17.

De fato, atribuir ao voto do Conselheiro Presidente peso superior a "um" em um mesmo julgamento é ilegítimo sob diversos enfoques. A uma, porque trata de ofensa ao devido processo legal, uma vez que o expediente contraria a imparcialidade esperada de qualquer órgão julgador, ainda que não integrante do Poder Judiciário. A duas, porque, sendo mitigação juridicamente aceita ao direito de propriedade dos particulares, a tributação deve ser pautada pela plena convicção da ocorrência do fato descrito na norma como apto a fazer nascer uma obrigação tributária, elemento que não está presente em casos em que não há maioria entre os julgadores do órgão administrativo.

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A reforçar esse último ponto, se o Código Tributário Nacional preconiza que a lei tributária deve ser sempre interpretada de maneira mais favorável ao acusado em caso de dúvida quanto à sua aplicação (artigo 112), é evidente o conflito gerado pela prevalência do voto de minerva.

Sob a ótica estatística, levantamento realizado pelo Carf em junho de 2019 concluiu que entre 2017 e 2019 apenas 7% dos votos foram decididos com base no voto de Minerva (71% proferidos em favor da Fazenda). Todavia, o mesmo levantamento identificou que R$ 260 bilhões do estoque de créditos tributários em discussão no Órgão são debatidos em apenas 95 processos, enquanto outros 120 mil casos reunidos totalizam R$ 82 bilhões do total de tributos em discussão no Carf. Referida constatação evidencia que a pequena proporção de casos decidida por voto de qualidade pode ter peso significativo em números absolutos e impacto econômico extremamente relevante, dada a dimensão colossal de determinadas discussões tributárias travadas na esfera administrativa.

Documento

LEVANTAMENTO

Por fim, a extinção do voto de qualidade certamente provocará movimento das partes interessadas no sentido de buscar alteração na atual legislação do processo administrativo fiscal. Como exemplo, a Fazenda Nacional certamente analisará as possibilidades para alteração do Decreto nº 70.235/72, que prevê em seu artigo 45 que a decisão na esfera administrativa favorável ao contribuinte é irrecorrível. Paralelamente, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional já declarou que está sendo elaborado parecer pleiteando o veto da mudança proposta pela lei de conversa da MP. Nesse momento, resta aos contribuintes aguardarem esperançosos a sanção presidencial dessa mudança tão relevante no processo administrativo tributário federal.

*Victor Corradi e Emily Costa, integrantes do time de contencioso tributário do WFaria Advogados

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