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O fim do relacionamento sem prova da traição e do dano causado não gera direito à indenização

Por Regina Beatriz Tavares da Silva
Atualização:
Regina Beatriz Tavares da Silva. CRÉDITO: DIVULGAÇÃO  

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em acórdão de relatoria do Desembargador Salles Rossi, decidiu recentemente que, não havendo prova de descumprimento do dever de fidelidade e do dano, o simples fim do relacionamento por alegada traição não enseja direito à indenização.

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No caso analisado pelo Tribunal, uma mulher requereu de seu ex-companheiro, com quem tinha uma união estável, indenização pelos danos morais causados por uma suposta traição, que teria acarretado sofrimento à autora. O pedido formulado no processo foi julgado improcedente pelo Tribunal.

A razão para o insucesso da ação foi a seguinte.

A mulher não comprovou os requisitos da responsabilidade civil, estabelecidos no art. 186 do Código Civil: violação a direito ou descumprimento de dever, no caso a infidelidade, e seu nexo causal com os danos sofridos pela traição que teria sido praticada por seu ex-companheiro.

Tais observações são importantes para que se perceba que a improcedência da demanda, no caso julgado pelo Tribunal, não se deve à impossibilidade de condenação de um dos cônjuges no pagamento de indenização por descumprimento de dever conjugal, mas, sim, à ausência de prova dos requisitos da aplicação da responsabilidade civil.

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Se da mera compra de um pão na padaria pode surgir a responsabilidade e o dever de indenizar da empresa de panificação, se num contrato de locação o locador e o inquilino têm obrigações cujo descumprimento também pode gerar o direito à indenização, se num contrato de transporte em companhia aérea o extravio de uma mala pode gerar o direito do passageiro a ser indenizado inclusive pelos danos morais que lhe foram acarretados, é evidente que diante de um contrato de casamento que gera deveres e direitos aos cônjuges, como o dever/direito de fidelidade, cabe a condenação do infiel ao pagamento de indenização.

Analisei esse tema em tese de doutorado defendida na Faculdade de Direito da USP, intitulada "Reparação Civil na Separação e no Divórcio", o que analiso também no Curso de Direito Civil - Direito de Família, em coautoria com o Professor Whashington de Barros Monteiro, em sua 43ª edição.

Essa sistematização da aplicação do instituto jurídico da reparação de danos no desfazimento da relação de casamento e de união estável é imprescindível para que se condene o marido ou a mulher que descumpre os deveres do casamento.

Com essa tese ficou ultrapassada a ideia de que não caberia a reparação de danos nas relações de família em razão de suas especificidades, ou que a paz familiar seria perturbada se um dos cônjuges tivesse de reparar os danos causados ao outro, ou ainda que a intimidade do casal não poderia ser perturbada pelo Poder Judiciário.

Isso porque a lei, ao estabelecer deveres aos cônjuges, obriga-os à prática de certos atos e à abstenção de outros. Uma vez violados esses deveres, com a ocorrência de danos, surge o direito do ofendido à reparação, em razão do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil, assim como ocorre diante da prática de ato ilícito em outras relações jurídicas, com fundamento na regra geral da responsabilidade civil.

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Dessa forma, não basta provar a traição, é necessário que se comprove que da infidelidade resultaram os danos, que, na maior parte das vezes, são os danos morais que resultam do sofrimento, da angústia e do constrangimento de ser traído. A infidelidade por si só realmente não gera o direito à indenização. No entanto, deve ser observado que a depender das circunstâncias da infidelidade, da sua gravidade no plano dos fatos, que devem ser demonstrados no processo judicial, o dano moral resulta do fato em si, teoria desenvolvida pelo saudoso Professor Carlos Alberto Bittar.

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Ao que parece, no caso julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, foi simplesmente alegada a traição mas não foram demonstradas as circunstâncias em que ela ocorreu, de modo a não poder ser presumido o dano moral.

A repercussão do dano na esfera do consorte ofendido importa também para mensurar o valor da indenização, além de outros elementos, como a situação econômica da vítima e do ofendido, já que a indenização do dano moral deve compensar o sofrimento da vítima e desestimular o ofensor quanto à prática de outros atos ilícitos.

*Regina Beatriz Tavares da Silva é Presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões). Doutora em Direito pela USP e Advogada.

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