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O 'fato do príncipe' em tempos de pandemia

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Por Marcelo Carniato e Valter Pugliese
Atualização:
Marcelo Carniato e Valter Pugliese. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O advento da covid-19 representa um dos maiores desafios à ciência que se tem registro nos últimos séculos, diante do potencial de letalidade que a doença apresenta, agregada ao elevado nível de propagação que fez com que o corona vírus se espalhasse pelos mais variados continentes em um espaço de três meses. Os efeitos econômicos da pandemia, reconhecida pela Organização Mundial da Saúde, são imensuráveis e já forçaram as principais potências econômicas mundiais a tomarem medidas drásticas de socorro a setores da indústria, comércio e serviços, sempre na perspectiva de proteção das atividades empreendidas e dos empregos por elas gerados.

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O cenário se repete no Brasil onde se vivencia um clima de pânico e incerteza que paira sobre empregados e empregadores em torno das consequências da política de isolamento social imposta por atos normativos de Estados e Municípios que impedem o funcionamento de inúmeras atividades consideradas não essenciais.

O direito do trabalho é rico em alternativas para o enfrentamento de momentos de crise, seja no plano da consolidação das leis do trabalho, seja em sede de negociação coletiva onde as partes têm ampla liberdade de construírem um regramento que pode ser adequado às necessidades e particularidades das categorias envolvidas.

Portanto, banco de horas negativo, férias coletivas, licença remunerada de trinta dias com compensação em não concessão de férias, são exemplos de instrumentos que podem ser utilizados pelos atores da relação de emprego neste momento de crise.

Muito se fala na utilização do art. 486 da CLT pelos empregadores que pretendem extinguir o contrato de trabalho e deixar o pagamento da multa de 40% do FGTS e, também para uma parte da doutrina, o aviso prévio, a cargo do ente estatal responsável pelo ato normativo que inviabilizou a continuidade da atividade empresarial e dos contratos de trabalho a ela relacionados.

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É importante salientar que em regra, quase que absoluta, a responsabilidade do pelo adimplemento das parcelas salariais e rescisórias pertence ao empregador, tendo em vista que os riscos da atividade econômica são por ele assumidos, conforme estabelece o art. 2º, caput, da CLT.  O disposto no art. 486 da CLT encontra aplicabilidade restrita no campo das relações de trabalho, e merece uma interpretação restritiva quanto a seu alcance prático.

Uma das premissas que se deve nortear a aplicação do fato do príncipe no âmbito das relações de trabalho reside na atuação estatal que inviabilize a atividade empresarial, somada a não concorrência do empregador para tal circunstância. O ato estatal deve ser norteado, obviamente, pela presença do interesse público e por razões de conveniência e oportunidade e ter o condão de tornar irreversível a continuidade do empreendimento.

Na hipótese da pandemia motivada pela covid-19, o Estado atuou motivado por uma situação completamente imprevisível e que exigia medidas urgentes direcionadas à preservação da vida das pessoas, o que escusa a responsabilização do estatal diante da própria inexigibilidade de conduta diversa por parte de Governadores e Prefeitos que agiram em observância a protocolos da OMS, que declarou emergência em saúde pública de importância internacional, instando os países membros à tomada de medidas de enfrentamento à pandemia, e ainda com base na experiência de países bastante afetados pela doença, a exemplo da China, Itália, Espanha, França e Estados Unidos.

Não se deve descurar que as medidas internas tomadas por autoridades dos Estados e Municípios, com restrição de funcionamento de estabelecimentos e redução de circulação de pessoas tem caráter preventivo no objetivo de se evitar um mal maior, de pico de proliferação do vírus a inviabilizar o sistema de atendimento médico à população, situação com potencial perigo de comprometimento dos empreendimentos e consequente empregos.

Portanto, a afirmação de que o art. 486 da CLT se aplica à totalidade de situações que envolvam a extinção do contrato de trabalho durante o período de duração do estado de calamidade pública no Brasil motivado pela covid-19, é precipitada e não encontra respaldo na ordem justrabalhista. A única certeza jurídica que se tem neste momento é que cabe a empresa assumir o ônus e riscos de sua atividade econômica por ela empreendida, inclusive arcando com as despesas decorrentes das rescisões contratuais em obediência ao disposto art. 2º, caput, da CLT.

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*Marcelo Carniato, juiz do Trabalho do TRT 13.ª Região (PB)

*Valter Pugliese, juiz do Trabalho do TRT da 19.ª Região (AL)

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