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O estágio atual da mediação: entre o sonho e a realidade

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Por Joaquim de Paiva Muniz
Atualização:
Joaquim de Paiva Muniz. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Não deveriam existir dúvidas do benefício de maior uso da mediação no Brasil, por diversos motivos. Antes de tudo, porque há um excesso de ações judiciais no país: segundo o relatório "Justiça em Números", do CNJ, havia R$75.4 milhões de processos judiciais no final de 2020. Muitos deles poderiam ser resolvidos consensualmente pelas partes. Essa quantidade avassaladora de causas afeta negativamente o tempo e qualidade da prestação jurisdicional, diante da avalanche de processos nos quais os membros do Poder Judiciário estão soterrados. Como ocorre em toda a prestação de serviços, o resultado da atividade jurisdicional depende da quantidade de pessoas envolvidas (neste caso os juízes, naturalmente um número restrito de pessoas com grande expertise para garantir qualidade) vis-à-vis a demanda. Por mais que o processo judicial venha se tornando cada vez mais eficiente, especialmente depois do CPC de 2015, não se conseguirá melhorar significativamente o tempo e aprimorar a qualidade sem antes acontecer diminuição do volume de processos.

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Além disso, a mediação é um meio mais eficiente do que a solução adjudicada do conflito. Nos processos judiciais, arbitrais ou administrativos, cada parte sustenta uma posição, à luz do que lhe pode caber em vista do direito positivo. Mas as posições das partes podem não estar totalmente alinhadas com seus reais interesses. Frequentemente há espaço para acordo que atenda a ambas as partes e não corresponda exatamente ao resultado possível em um processo heterocompositivo. A mediação liberta as partes das amarras processuais, viabilizando um desfecho "ganha-ganha", ao passo que a solução adjudicada representa um jogo de soma zero, ou mesmo de soma negativo, no qual, seguindo o direito a ferro e fogo, uma parte sempre perde, e às vezes as duas saem insatisfeitas. Por isso o processo judicial, arbitral ou administrativo volta e meia decide a lide, mas não pacifica as partes, pois a origem real do conflito persiste. Já na mediação as partes só logram transação se considerarem os termos e condições de alguma forma benéficos, o que gera um sentimento mais positivo.

De mais a mais, a mediação empodera as partes, pois elas definem como o conflito termina. Na pior das hipóteses, a mediação melhora o diálogo entre as partes, o que por si só já tende a valer a pena. A excessiva judicialização decorre de uma sociedade com suas questões, a qual busca preferencialmente as respostas em um símbolo de autoridade superior, quando essas respostas podem estar nelas mesmas ou mesmo em um olhar mais apurado para o outro. Está na hora de assumirmos mais responsabilidade pelos nossos destinos.

Fala-se de mediação no Brasil desde a década de 90. Em 2010 o CNJ editou a Resolução 125, implementando uma política de meios adequados de conflito. Editou-se uma Lei de Mediação em 2015, mesmo ano do novo Código de Processo Civil, que prevê audiências obrigatórias de conciliação ou mediação. Com tantos incentivos legislativos e judiciais para mediação, por que o instituto ainda não alcançou todo o seu potencial no Brasil? Alguns elementos podem ser citados.

Primeiramente, a insegurança jurídica de nosso ordenamento pesa contra a mediação. Mostra-se mais difícil recomendar acordo, quando não se tem boa visibilidade do resultado do litígio. Ainda mais porque as partes tendem a ter um viés cognitivo de otimismo e, se o ponto for controverso, considerar a sua posição mais forte do que realmente é. Espera-se que a sistemática do CPC de 2015, com maior peso aos precedentes, altere esse cenário, dando mais clareza sobre diversas matérias.

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Segundo, o longo tempo do processo judicial ocasiona uma certa miopia cognitiva, em que o devedor não se incomoda em deixar a questão em aberto, se a dívida só for maturar lá na frente. A arbitragem, bem mais célere, tem dado choques de realidade nos devedores que adotam essa postura equivocada.

Terceiro, as altas taxas de juros e a dificuldade de acesso a capital obstaculizam que o devedor levante recursos para pagar acordo, mesmo se os termos forem benéficos. E, quando os juros de mercado estão mais altos do que os de mora, pode valer a pena economicamente continuar devendo, salvo se os termos do acordo forem extremamente favoráveis.

Quarto, já entrando especificamente na estrutura montada após as legislações de 2015, a remuneração do mediador judicial é relativamente baixa, o que desencoraja a formação de profissionais. Pior, acaba gerando uma espécie de ancoragem de preço barato que dificulta ao mediador extrajudicial cobrar honorários mais razoáveis.

Quinto, necessita-se capacitar uma massa de mediadores para atuarem em litígios. Milhões de processos demandam o trabalho de milhares de profissionais. Eventuais mediação só redundarão em sucesso se os mediadores tiverem as devidas qualificações e souberem usar as ferramentas. Essa capacitação está sendo feita, mas seus efeitos ainda levarão algum tempo para serem integralmente sentidos.

Essa capacitação deve alcançar mediadores com maior gama possível de experiências. Constata-se, por exemplo, uma carência de mediadores versados em questões empresariais, o que causa uma certa resistência na adoção do instituto no ambiente de negócios.

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Sexto, é imprescindível mudar a cultura de litígios. As pessoas não fazem mediação porque não conhecem mediação. Insistem no Poder Judiciário porque foram formadas e deformadas em sua prática a sempre fazerem assim. Pensam na ação judicial e não no fenômeno em si, que é o conflito, o qual pode ser tratado com diversos ferramentas, seja mediação, conciliação ou mesmo a solução adjudicada. Para cada doença, o remédio mais adequado para a cura. Muitas vezes, quando recomendo mediação, indagam-me "por que?". Sempre respondo, "por que não?". A pergunta em si mostra o cerne do problema. A justiça só será mais justa quando se superar o conceito do "advogado pitbull" e se abraçar a noção do "advogado resolvedor de problemas", que um dia é um guerreiro, outro é diplomata, dependendo da necessidade. Só mudando corações e mentes a transformação ocorrerá.

*Joaquim de Paiva Muniz, sócio de Trench Rossi Watanabe, mestre em Direito pela University of Chicago, fellow do Chartered Institute of Arbitrators, presidente da Comissão de Arbitragem da OAB-RJ, diretor de Arbitragem do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem e autor de diversos livros, incluindo Curso Básico de Direito Arbitral (Juruá)

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