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O equilíbrio na relação entre consumidor e fornecedor

Acabamos de comemorar, mais uma vez, o Dia Mundial do Consumidor, que tem no CDC, Código de Defesa do Consumidor, seu maior aliado. Este tem cumprido seu objetivo de determinar normas que protegem a relação de consumo, facilitando o acesso do consumidor à justiça e reconhecendo sua vulnerabilidade como parte mais fraca da relação.

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Por Evelin Sofia Rosenberg
Atualização:

As relações jurídicas de consumo também contam com uma vasta gama de direitos e prerrogativas estabelecidos em outros de nossos diplomas legais, como o Código Civil e princípios constitucionais, destacando a dignidade da pessoa humana, a boa-fé objetiva, a função social do contrato, a solidariedade social, entre outros.

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É muito comum ouvirmos a frase que "o cliente tem sempre razão", e na maioria das vezes, mesmo quando não têm, as empresas acabam fazendo a vontade do cliente, pois sabem que essa é uma boa forma de evitar propaganda negativa e fidelizar a clientela.

Porém, infelizmente, tem-se visto que alguns consumidores distorcem o regramento a seu favor, agindo em desacordo com a boa-fé objetiva, abusando de seu direito em relação ao fornecedor, buscando oportunidades de enriquecimento ilícito ou uma vantagem indevida.

Esse abuso do direito está previsto no art. 187 do Código Civil: "Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".

A boa-fé e a solidariedade contratual estabelecem que as partes são obrigadas a manterem em todas as fases do contrato, uma conduta de probidade, lealdade e honestidade. O objetivo do legislador ao estabelecer o cumprimento da boa-fé, não foi certamente de privilegiar uma das partes, mas sim, de estabelecer uma moderação na relação dos contratantes, observando também equilíbrio e o desenvolvimento da ordem econômica.

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A atual jurisprudência, baseada na realidade dos fatos e no caso concreto, vem dando proteção ao fornecedor, reconhecendo este como a parte vulnerável, em casos de comprovada má-fé do consumidor. Assim, não é incomum vermos casos na justiça de consumidores que abusaram do seu direito de reclamar sendo condenados a pagar multa e indenização por querer obter vantagens pessoais através do enriquecimento ilícito e a litigância de má-fé.

Nem sempre, porém, a reclamação infundada se dá por um comportamento de má-fé. O que ocorre é que muitas vezes o consumidor acredita ter mais direitos do que realmente tem, como por exemplo no caso das trocas de produtos, que não é uma obrigação, mas uma gentileza que a empresa pode optar fazer com seus clientes, pois somente é obrigatória a troca nos casos que o produto apresentar algum defeito, tendo o comerciante 30 dias para realizar o conserto, e somete após este prazo é que o consumidor poderá exigir a troca imediata, um abatimento proporcional no preço ou a devolução do valor pago. Já para compras feitas fora do estabelecimento comercial (por internet ou telefone), o cliente tem o direito de exigir de imediato uma das três alternativas.

Por outro lado, temos alguns consumidores que comprovadamente querem levar vantagem, como nos casos de uma mercadoria ter um preço irrisório, fruto de um equívoco cometido por um funcionário. Mesmo sabendo que a situação não reflete o padrão de preços do mercado, insiste o cliente em pagar o valor divulgado, alegando que a lei obriga o comerciante a vender o produto pelo preço anunciado. São, portanto, situações de especulação de oportunidades onde a partir de erros cometidos por fornecedores em uma oferta ou publicidade, o consumidor manipula o direito em seu interesse.

Devemos destacar que é preciso ter muita cautela ao efetuar uma reclamação em face de um fornecedor, principalmente se esse agiu de acordo com o que estabelece o CDC.

A facilidade que o consumidor encontra de acesso à justiça para suas reclamações, uma resolução relativamente célere, com a inversão do ônus da prova em favor deste, com sentenças favoráveis financeiramente, acaba por gerar a distorção das normas que protegem a relação de consumo. O cliente pode e deve reivindicar seus direitos, mas sem injuriar ou caluniar a empresa e seus funcionários. Deve se atentar na forma como é feita sua reclamação, principalmente quando se utilizar de mídias sociais ou a internet de maneira geral.

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Todo cuidado é pouco ao expor os fatos ocorridos e sempre seguir o caminho da razoabilidade e da veracidade, para não cometer o ato ilícito citado no art. 187 do Código Civil. Frisa-se que o consumidor, se condenado, terá que indenizar o fornecedor e também arcar com as custas processuais e os honorários advocatícios.

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Podemos concluir que, apesar das relações serem de consumo, são bilaterais, devendo assim primar pelo equilíbrio e a equidade, sem privilégio de nenhuma das partes. Portanto, analisando estas situações consumeristas em nosso cotidiano, devemos ficar atentos para que não ocorra o abuso do direito de conduta do fornecedor, bem como do consumidor. A relação deve ser pautada pela aplicação da cláusula geral da boa-fé, com respaldo na lisura contratual, na lealdade, na ética, na transparência e principalmente em uma solução justa.

* EVELIN SOFIA ROSENBERG, MESTRE EM DIREITO CIVIL PELA PUC/SP E SÓCIA DO ESCRITÓRIO VILLAÇA, ERLICHMAN & ROSENBERG ADVOGADOS

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