Com a reforma, a Fazenda passa a ser um credor extraconcursal com superpoderes concursais, visto que o Art 94-A do projeto atribui à Fazenda o direito de requerer a falência em seis hipóteses, das quais se destacam duas: IV - exclusão de parcelamento firmado com a Fazenda; V - inadimplência de créditos fiscais vencidos no curso do plano de recuperação judicial. E as dúvidas começam: por que um credor extraconcursal teria direito de pedir a falência de sociedade empresária em RJ, sendo que seu crédito não está sujeito a Recuperação?
Não bastasse isso, o interesse da Fazenda passa a ser tutelado por mais agentes, já que a proposta atribui deveres ao Juízo Recuperacional e ao Administrador Judicial de zelar pelo crédito fiscal. No que se refere ao Administrador Judicial, no art. 22 está expresso que compete a ele: b) requerer a falência em caso de descumprimento dos parcelamentos referidos no art. 68. Lembre-se que este parcelamento é aquele que a Fazenda Pública fez pouco esforço para normatizar e, quando normatizou (por meio da Lei 13.043/2014), não atendeu aos fins da Lei 11.101/2005. Esta é a razão para a jurisprudência ter se consolidado no sentido de permitir a dispensa de certidão de regularidade fiscal como documentação indispensável para o preenchimento dos requisitos do art. 51, permanecendo este entendimento mesmo após a "regulamentação".
Quanto ao Juiz, a proposta acrescenta ao rol taxativo do art. 73 a possiblidade de o juiz decretar a falência durante o processo de Recuperação Judicial também por descumprimento do parcelamento do art. 68.
A Lei 11.101/2005 certamente não é um primor técnico, padecendo de falhas, tendo em vista que nitidamente privilegia o capital financeiro. Todavia, é necessário reconhecer que, da forma como está, o Fisco pouco ou nada recebe de seu crédito. No entanto, a LREF vem sendo aprimorada, ora com grandes avanços, ora com retrocessos, graças às discussões que são levadas ao Judiciário.
Caso a proposta encaminhada ao Congresso seja aprovada, os princípios petrificados no art. 47 ficarão superados, transformando a LREF em um instrumento legislativo de cobrança do crédito fiscal: ou pague o fisco, ou falirá. E isto vai à contramão do que é a proposta do instituto de Recuperação Judicial, que deveria basear-se no esforço para a manutenção da atividade empresarial, conservação dos postos de trabalho e do interesse dos credores.
Reconhece-se que o instituto necessita de uma reforma com o intuito de aprimorar a proteção ao interesse do Fisco. No entanto, esta reforma não pode ocorrer sob a influência de uma fúria fiscal arrecadadora. A fúria é inimiga da razão e, ao invés de modernizar e melhorar o instituto contribuirá com o seu fim. Privilegiar a falência ao invés da Recuperação Judicial é ir à contramão da Constituição, deixando de lado a manutenção da função social da Empresa em prol do direito individual ao crédito. Precisamos de uma reforma? Sim. Mas, se for essa, melhor não.
Assione Santos é advogado e administrador de Empresas. Presidente do IDRE: Instituto de Direito de Recuperação de Empresas. Membro do Instituto Brasileiro de Estudos de Recuperação de Empresas - IBR. E-mail: Assione@asantosadvogados.adv.br. Luis Miguel Roa Florentin é advogado, bacharel em Direito pela Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD. E-mail: luismiguel_rf21@asantosadvogados.adv.br.