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O desprezo pelo direito recursal dos motoristas

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Por André Luís Alves de Melo
Atualização:
André Luís Alves de Melo. FOTO: MPD/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

No caso de infrações de trânsito observa-se a predominância da falta de ampla defesa nos julgamentos administrativos, pois não se publica ementas, nem súmulas. Em muitos casos nem intimam os recorrentes, quando muito publicam em diário oficial que foi indeferido.

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Menos de 10% dos julgamentos são providos, e geralmente prevalece a fé pública dos agentes. A título de comparação não se admite como regra absoluta a fé pública no Direito Penal, mas no direito de trânsito sim. No entanto, temos penalidades que são maiores no direito de trânsito do que no direito penal, como no caso da direção de veículo automotor estando o motorista embriagado. Em geral, a pena criminal é de 01 salário mínimo, enquanto para direito de trânsito é em média de 03 salários mínimos.

Lado outro, o CONTRAN parece estar mais preocupado com questões técnicas de veículos e emplacamentos do que em regulamentar os recursos e estabelecer regras mais transparentes, ao menos pode-se concluir nesse sentido ao se verificar a quantidade de normas para cada tema. E a ausência de sanção efetiva para órgão de trânsito que descumpre as normas de julgamento.

Outra medida ainda meio confusa são os prazos decadenciais para julgamento dos recursos, o que difere da prescrição da multa, a qual vem sendo entendida como ocorrendo em cinco anos por analogia à Lei 9873/99, uma vez que não havia dispositivo expresso no CTB.  Porém, há entendimento que é de 03 anos em caso de prescrição intercorrente na hipótese de recursos administrativos não julgados neste prazo, considerando as eventuais interrupções e suspensão, conforme resolução 414/12 do CONTRAN.

No entanto, mesmo assim, alguns órgãos de trânsito não estão concedendo a prescrição da multa de ofício, e exigem requerimento. Em alguns casos exigem até quitação de outros débitos para reconhecer a prescrição, o que é um ato notoriamente abusivo.

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Por oportuno, transcreve-se o artigo referente:

Art. 282...

  • 6º O prazo para expedição das notificações das penalidades previstas no art. 256 deste Código é de 180 (cento e oitenta) dias ou, se houver interposição de defesa prévia, de 360 (trezentos e sessenta) dias, contado: (Redação dada pela Lei nº 14.229, de 2021)

Já o art. 286, §1º do CTB fala em aplicar o art. 284, parágrafo único, mas este não existe mais, pois o art. 284 tem vários parágrafos acrescidos desde 2016, logo não tem parágrafo único mais.

Apesar de o CTB estabelecer que não pode haver restrições no licenciamento dos veículos enquanto há recurso, a maioria dos Detrans nega o licenciamento (CRLV) caso haja recurso ao CETRAN, pois alegam que não tem efeito suspensivo, o que distoa da norma do CTB exposta a seguir:

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Art. 284...

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  • 3º Não incidirá cobrança moratória e não poderá ser aplicada qualquer restrição, inclusive para fins de licenciamento e transferência, enquanto não for encerrada a instância administrativa de julgamento de infrações e penalidades. (grifo nosso)

De fato, o art. 285, §1º estipula que o recurso do art. 283 não tem efeito suspensivo, mas o artigo 283 foi vetado e nunca entrou em vigor. Além disso, a redação do art. 284, § 3º, é de 2016. Portanto, data posterior. Sendo que por questões de harmonização interpretativa deve-se entender que derrogou o artigo 285 neste ponto. No entanto, toda esta problemática na defesa pelos motoristas decorre de que o CONTRAN tem optado por fazer uma colcha de retalhos nas suas normativas nesta matéria de recursos administrativos, em vez de emitir uma norma única, após consulta pública, e que vise abolir as dúvidas, sendo necessário, neste caso, alterar por completo a Resolução 299/08, e revogar outras normativas.

A Lei 14.071 também previu no art. 285, §3º, do CTB, a possibilidade de se conceder efeito suspensivo ao recurso para a JARI, se não for julgado no prazo legal de 30 dias. Aparentemente é hipótese de poder-dever e não de discricionariedade.

Já no Art. 288 consta que "das decisões da JARI cabe recurso a ser interposto, na forma do artigo seguinte, no prazo de trinta dias contado da publicação ou da notificação da decisão".

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Em suma, pela regra atual, se o motorista não apresentar a defesa prévia, ele receberá a notificação de penalidade em até 180 dias após o registro da infração. Mas, se a defesa prévia for apresentada dentro do prazo, o órgão terá um tempo máximo de 360 dias para aplicar as penalidades. Caso o órgão não respeite esse prazo, perderá o direito de aplicar a penalidade. No entanto, raramente descumpre esse prazo, pois comumente são respostas padronizadas e sem apreciar com efetividade os argumentos do motorista. Já se observou fatos reais em que havia argumentos prévios em julgados de JARIs e que o "julgador" ia marcando X nos campos, em uma espécie de formulário. Talvez por este motivo não publiquem as decisões no site e até dificultem que o motorista tenha acesso ao inteiro teor do julgado, nem mesmo informam data do julgamento e eventual direito de sustentação oral.

Quanto às JARI e ao CETRAN possuem prazo previsto no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) de 30 dias corridos para julgamento dos recursos, mas sem sanção em caso de descumprir os prazos, não havendo decadência ou prescrição.

Nos casos de julgamentos de recursos tem ocorrido frequentemente abusos, pois a maioria dos órgãos de trânsito apenas publicam em diários oficiais as súmulas de julgamento como "recurso indeferido", ou somente enviam a multa imposta e mantida para pagamento, e não remetem o inteiro teor do julgamento para o motorista ou disponibilizam para consulta via senha pela internet.  Nem há súmulas administrativas de julgados de trânsito para uniformizar os julgados e servirem de orientação para os motoristas como medida educativa e preventiva.

Alguns órgãos de trânsito dificultam até mesmo o acesso do motorista ao inteiro teor dos julgados, mesmo após requerimentos.

Além disso, não há sanções para os órgãos de trânsito que descumprem as obrigações ao deixar de publicar, por exemplo, os laudos técnicos de velocidade nos sites oficiais e outros dados como uso de recursos de oriundos de multas de trânsito, conforme determina Resoluções do CONTRAN. No mínimo deveria haver descredenciamento, suspensão ou nulidade de seus atos por parte do CONTRAN, mas não se tem notícias de tais sanções.

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Nesse sentido, registra-se que em 2022 publicaram aproximadamente 70 (setenta) Resoluções do CONTRAN sobre temas diversos, mas a previsão legal de participação popular vem sendo dificultada pela baixa divulgação, site confuso e aparente falta de interesse do próprio órgão em facilitar que o público participe.  Registra-se que na consulta pública sobre novo modelo de CNH apenas 12 pessoas participaram, o que confirma a falta de divulgação, pois há muita gente interessada no tema, inclusive Associações.

Deve-se punir o motorista infrator, mas também se pode ser conivente com abusos de autoridade e sanha arrecadatória de alguns órgãos de trânsito, os quais afastam da função educativa e de segurança de trânsito e focam em arrecadar.

Temos órgãos que não tem função principal de trânsito mas que buscam freneticamente esta atribuição para focar em multas por limite de velocidade, fixados em limites muito baixos, sem critérios objetivos, em vez de atuar na conservação das rodovias e pesos de caminhões.

Importante registrar que Resolução 619/16 que tratava de Recursos foi revogada pela Resolução 918/22, com entrada em vigor a partir de 01/04/22, a qual pouco inovou acerca dos problemas apontados neste texto, pois mais focou em reunir temas esparsos, mas sem resolver problemas dos direitos recursais dos motoristas.

*André Luís Alves de Melo, promotor em MG e doutor em Direito pela PUC/SP, e associado do Movimento do Ministério Público Democrático

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Este texto reflete a opinião do(a) autor(a)

Esta série é uma parceria entre o blog e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Acesse aqui todos os artigos, que têm publicação periódica

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