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O desastre do Pantanal e o princípio do poluidor pagador

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Por Rogério Tadeu Romano
Atualização:
Pantanal enfrenta a maior série de queimadas das últimas duas décadas, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Foto: Dida Sampaio/ Estadão

I - O FATO

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O Pantanal continua queimando.

Noticiou a Carta Capital, em sua edição de 1 de setembro de 2021, que "as duas regiões mais atingidas até o momento ficam na reserva indígena Kadiweu, em Mato Grosso do Sul - onde quase 20% da vegetação foi consumida pelas labaredas -, e a Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso, localizada fora dos limites do Pantanal, na bacia do Alto Paraguai, mas afetada pelas consequências do fogo. Há ainda registros de incêndios nas fronteiras com a Bolívia e o Paraguai. Além da ausência de chuvas, outro fator que provocou o ressecamento da vegetação e facilitou a propagação do fogo foi a recente geada na região."

Prossegue a reportagem anotando que, para piorar, o rio mais importante da região, o Paraguai, está com um nível 40% mais baixo do que no mesmo período de 2020. Com menos água no solo, as matérias orgânicas tornam-se mais inflamáveis e basta um foco para as chamas se espalharem com o vento. Segundo o Observatório do Clima, o bioma perdeu 74% de sua superfície de água desde 1985 e 71% desde 1991, porcentual muito superior àquele da média nacional, de 16%. "O fogo vem a reboque do desmatamento na Amazônia Legal. É necessário comprometimento de quem tem a expertise e poder de fiscalizar, que é o Ibama, e mais investimentos e articulação da União com os estados", afirma Vinícius Sigueiro, coordenador do Núcleo Inteligente Territorial do Instituto Centro de Vida.

Desde 1985, o bioma perdeu 74% da superfície de água, muito acima da média nacional.

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Os partidos PT, PSOL, Rede e PSB entraram com uma ação conjunta no Supremo Tribunal Federal para obrigar a União e os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul a presentarem um plano de combate aos incêndios no Pantanal. Até agora a medida não foi analisada, o que levou os partidos a ingressar com novo pedido de liminar, uma vez que o fogo avança em alta velocidade na região, ainda segundo a Carta Capital, naquela edição.

Entre as causas está o desmatamento.

Conforme destacou BBC News Brasil(Por que o Pantanal vive a maior tragédia ambiental em décadas, em 5 de agosto de 2000), a realidade da seca no Pantanal se torna ainda mais complicada devido a uma situação recorrente na região: a expansão do desmatamento no bioma e em seu entorno.

Fala-se naquela reportagem:

"De acordo com o Inpe, até o ano passado foram desmatados 24.915 km² do Pantanal, correspondente a 16,5% do bioma. O número equivale, por exemplo, a pouco mais de quatro vezes a área de Brasília.

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Um levantamento do Ministério Público de Mato Grosso do Sul apontou que cerca de 40% do desmatamento na área do Pantanal do Estado podem ter ocorrido de forma ilegal, pois não foram identificadas autorizações ambientais.

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"Para as áreas desmatadas e consideradas 'possivelmente ilegais', nas quais não encontramos autorização de desmate, é emitido um relatório e encaminhado para a Polícia Ambiental, para o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) e para o Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul). Conforme o caso, vão a campo (para apurar)", explica o promotor de Justiça Luciano Furtado Loubet, diretor do Núcleo Ambiental do Ministério Público de Mato Grosso do Sul.

A principal causa da expansão do desmatamento no Pantanal, segundo especialistas, é o crescimento do agronegócio na região.

Há décadas, o bioma convive com a produção extensiva de gado. Um levantamento do Instituto SOS Pantanal aponta que cerca de 15% da área do Pantanal foi convertida em pastagem.

Um monitoramento do MapBiomas revelou que o uso da área do Pantanal como pasto se tornou um grande problema em decorrência de novos métodos usados por produtores locais.

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"O campo do Pantanal é 'pastejável', então há o uso de pastagem como método tradicional. Quando há período de seca, levam bois para pastejar e retiram na época de chuva. O problema é que nos últimos anos, com muitas mudanças no processo de inundação, o pessoal tem aproveitado que as áreas deixam de inundar para plantar pastagens exóticas", comenta o geógrafo Marcos Rosa."

II - A BIODIVERSIDADE DO PANTANAL

Observe-se a biodiversidade do pantanal.

No pantanal, há 263 espécies de peixes, 463 de aves, 113 de répteis, 41 de anfíbios e 132 de mamíferos.

O bioma Pantanal é considerado uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta.

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O Pantanal sofre influência direta de três importantes biomas brasileiros: Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica. Além disso sofre influência do bioma Chaco (nome dado ao Pantanal localizado no norte do Paraguai e leste da Bolívia).

Há cinco unidades de conservação no Pantanal: Parque Nacional do Pantanal Matogrossense (MT), Parque Estadual Encontro de Águas (MT), Reserva Particular do Patrimônio Ambiental - Sesc Pantanal (MT), Parque Estadual do Pantanal do Rio Negro (MS), Parque Estadual do Guirá (MT).

Entende-se por Unidades de Conservação: Reservas Biológicas, Reservas Ecológicas, Estações Ecológicas, Parques Nacionais, Estaduais e Municipais, Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais, Áreas de Proteção Ambiental, Áreas de Relevante Interesse Ecológico e Reservas Extrativistas ou outras a serem criadas pelo Poder Público. Por sua vez, Florestas Públicas são espaços de manejo sustentado, que se sustentavam legalmente com base no artigo 5º, alínea b, do Código Florestas, que determinava a criação de Florestas Nacionais, Estaduais, e Municipais com fins econômicos, técnicos e sociais, inclusive reservando áreas ainda não florestadas e destinadas a atingir aquele fim.

III - AS QUEIMADAS NO PANTANAL

Segundo estudo da ONG Instituto Centro de Vida as queimadas começaram principalmente em cinco propriedades que fornecem para gigantes do agronegócio. A análise cruzou dados dos focos de calor do INPE com imagens dos satélites Sentinel-2 e Planet e o mapeamento realizada pelo NASA das áreas atingidas pelo fogo. Outro aspecto determinante lembrado por Prof. Jacobi para tal quadro é a redução na fiscalização tanto no Pantanal quanto na Amazônia. "É claro que não dá pra ignorar o fato de que reduziu muito a fiscalização. Isso é um dado concreto, inclusive a redução de recursos para fiscalização.

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Relatou Vitor Paiva(Queimadas no Pantanal e agronegócio: solução também passa pela mudança de alimentação)o ciclo das queimadas, portanto, começa com desmatamentos, segue com o fogo para transformação de regiões em pasto, e perde o controle, como no cenário atual - mas termina nas nossas mesas: no alimento que consumimos. O papel do estado é fundamental para o estabelecimento de medidas mais eficazes para a fiscalização das práticas agropecuárias e o estabelecimento de novas e mais sustentáveis formas de produção e, assim, de consumo - mas nosso papel como consumidor é também fundamental. "Se não mexermos com as dinâmicas de produção e de consumo o nosso planeta não vai aguentar", afirma Rodrigo Perpétuo, secretário executivo do ICLEI - América do Sul, lembrando que possivelmente as práticas de produção mantidas até aqui talvez já tenham comprometido de forma definitiva o futuro de próximas gerações. "As organizações da sociedade civil possuem papel muito importante em relação a este aspecto, tanto conscientizando a população em relação ao seu poder de transformação, como também contribuindo para fomentar mais transparência nas dinâmicas de produção", diz. Para Perpétuo, o primeiro passo individual é o consumidor que puder preferir produtos com certificação de origem - que comprovem que sua produção não agride o meio-ambiente.

IV - O PRINCÍPIO DO POLUIDOR PAGADOR

Trata-se de aplicação do princípio do poluidor-pagador.

O princípio vem presente no direito brasileiro desde a Lei 6.938/81 adotou o principio referenciado.

Além disso, o Princípio do Poluidor-Pagador fora recepcionado pela Constituição Federal no seu art. 225, parágrafo 3o, que prescreve: "As atividades e condutas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, às sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados."

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A Declaração do Rio de Janeiro adotou, em seu Princípio nº 16, o Princípio do Poluidor-Pagador, ao afirmar que:

"As autoridades nacionais devem procurar assegurar a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando em conta o critério de quem contamina, deve, em princípio, arcar com os custos da contaminação, levando-se em conta o interesse público e sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais."

Ensinou Erika Bechara (Princípio do Poluidor Pagador, in Enciclopédia Jurídica da PUC - SP):

"O princípio do poluidor pagador preconiza que os custos decorrentes da prevenção da poluição e controle do uso dos recursos naturais assim como os custos da reparação dos danos ambientais não evitados ("custos da poluição") sejam suportados integralmente pelo condutor da atividade econômica potencial ou efetivamente degradadora, que, portanto, internalizará os custos da poluição ao invés de externalizá-los para o Estado e, consequentemente, para a sociedade.

Cabe ao Estado, amparado no princípio do poluidor pagador, conduzir esse processo de internalização das externalidades ambientais, mediante a elaboração e aplicação concreta de normas que determinem aos agentes econômicos a obrigação de adotar, as suas expensas, as medidas de prevenção e reparação de danos ambientais.

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Não pode o poluidor(predador) internalizar os seus lucros e externalizar os custos para a sociedade.

O princípio que usa para afetar os custos das medidas de prevenção e controle da poluição, para estimular a utilização racional dos recursos ambientais escassos e para evitar distorções ao comércio e aos investimentos internacionais, é o designado Princípio do Poluidor-Pagador (Recomendação C1288, de maio de 1972). Portanto, o poluidor deve arcar com os custos das medidas necessárias para assegurar que o ambiente esteja num estado aceitável.

Importante mencionar que, o PPP não é exclusivamente um princípio de responsabilidade civil, pois abrange, ou, pelo menos foca outras dimensões não enquadráveis neste último (Igualmente, não é um princípio que "autoriza" a poluição ou que permita a "compra do direito de poluir", porque ele envolve o cálculo dos custos de reparação do dano ambiental (dimensão econômica) a identificação do poluidor para que o mesmo seja responsabilizado (dimensão jurídica), e por fim, é um princípio orientador da política ambiental preventiva." .

Danielle de Andrade Moreira (ver Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor-pagador: pedra angular da política comunitária do ambiente. Boletim da Faculdade de Direito - Universidade de Coimbra, p. 105) professa que é indubitável que o princípio do poluidor pagador tem uma natureza preventiva. Mas sendo o dano ambiental uma forma de externalidade negativa, que afeta diretamente terceiros independentemente de sua participação na cadeia de produção e consumo da qual partiu a conduta danosa, "não parece lógico pensar que, nesses casos, havendo a imposição ao responsável da obrigação de reparar o dano, não se esteja falando do princípio do poluidor -pagador (mesmo que a orientação de outros princípios também seja identificada na mesma hipótese)".

É importante, pois, influir para a diminuição da demanda com relação a esses produtos obtidos através de atividades nocivas ao meio ambiente.

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Disse Cristiane Derami (Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997), aliás: "Para que se distribua de forma justa os ônus da poluição e ao mesmo tempo se desestimule atividades e produtos degradadores, é necessário que as externalidades ambientais negativas sejam internalizadas pelo agente econômico, de forma que o empreendimento assuma os custos da prevenção e reparação da poluição associados a sua atividade, liberando o Estado e a sociedade desse ônus. E é justamente esse o propósito do princípio de poluidor pagador: corrigir o custo adicionado à sociedade (pelas externalidades negativas) "impondo-se sua internalização".

Ensinou ainda Érica Bechara (obra citada):

"No cenário das externalidades ambientais, o custo ambiental da poluição é suportado por toda a sociedade (pela via direta ou via Estado), aí incluídas não só as pessoas beneficiadas pela existência do empreendimento (porque consumidoras dos bens fornecidos) como as não beneficiadas (porque não consumidoras dos bens oferecidos). No cenário em que as externalidades são internalizadas, conforme determinado pelo princípio do poluidor pagador, o custo ambiental é suportado apenas pela cadeia de consumidores intermediários e finais dos bens e serviços responsáveis pela poluição.

Nesse sentido, nota-se equidade no sistema em que o consumidor de produtos e serviços potencial ou efetivamente degradadores "pague", de forma diluída e proporcional ao volume consumido, pelos custos de prevenção e reparação do meio ambiente. Por isso que Maria Alexandra de Sousa Aragão (O princípio do poluidor-pagador: pedra angular da política comunitária do ambiente. Boletim da Faculdade de Direito - Universidade de Coimbra, p. 193. entende que a repercussão do custo de controle da poluição sobre os beneficiários do bem ou atividade poluidora não afasta a justiça do princípio do poluidor pagador sendo, inclusive, perfeitamente compreensível, porque "é justo que pague quem cria, controla, lucra, ou beneficia diretamente de uma atividade, que é prejudicial para outrem" (g.n.).

Guilherme Cano (Introdución al tema de los aspectos juridicos del principio contaminador pagador, pág.191) ensinou que "quem causa a deterioração paga os custos exigidos para prevenir ou corrigir. É óbvio que quem assim é onerado redistribuirá esses custos entre os compradores de seus produtos (se é uma indústria, onerando-a nos preços), ou os usuários de seus serviços (por exemplo, uma Municipalidade, em relação a seus serviços de rede de esgotos, aumentando suas tarifas). A equidade dessa alternativa reside em que não pagam aqueles que não contribuíram para a deterioração ou não se beneficiaram dessa deterioração".

Por sua vez, Ludwig Krämer (Le príncipe du polluer-payers, 1991, pág. 3-13), comentando a inclusão do princípio no Tratado da Comunidade Europeia, disse que "a coletividade não deve suportar o custo das medidas necessárias para assegurar o respeito da regulamentação ambiental em vigor ou para evitar os atentados contra o meio ambiente". Acrescenta que esse custo deve ser um ônus do fabricante ou do utilizador do produto poluente que poderá repassá-lo aos utilizadores posteriores.

Como disse ainda Paulo Affonso Leme Machado, um dos maiores ambientalistas do Brasil, "a aplicação do princípio-poluidor-pagador pressupõe a conscientização do público, que tem sido o grande prejudicado pela "internalização dos lucros e externalização dos custos", pois, como acentua Olivier Godard as empresas são incentivadas pelo mecanismo da concorrência a escapar, tanto quanto possível, da assunção dos ônus associados às suas atividades, sendo esses ônus transferidos para outros agentes, para o Poder Público ou para o meio ambiente."(Environnement et Dévéloppement Durable, Estrasburgo, Séminaire du Centre Nacional de la Recherche Scientifique, 1991, documento interno, mencionado por Paulo Affonso Leme, Direito Ambiental Brasileiro, 12ª edição, pág. 461).

Tudo isso demonstra que o executivo está se omitindo em suas responsabilidades. Caberá à sociedade tomar as devidas medidas no intuito de aplicar as devidas punições, prevenir danos futuros, tudo no sentido de que os custos por essa conduta sejam devidamente internalizados para o poluidor(predador).

Mais do que um princípio que visa à responsabilidade civil, esse princípio do poluidor-pagador visa a prevenir a ocorrência dessas condutas.

Isso porque prevenção e precaução são dois pilares a considerar na aplicação do princípio aqui discutido.

*Rogério Tadeu Romano, procurador regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado

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