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O desafio para as concessões dos parques nacionais

Por Mauricio Taufic Guaiana
Atualização:
Mauricio Taufic Guaiana. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

O potencial econômico do setor de turismo brasileiro não é novidade. O País desfruta de exuberantes recursos naturais e rica diversidade cultural que instigam o imaginário de turistas, nacionais e estrangeiros. Todavia, a despeito deste potencial, a sua exploração econômica ainda é subutilizada. E, no atual cenário da pandemia, soluções criativas poderiam ser idealizadas para pavimentar a retomada do setor após a crise, especialmente nos parques nacionais.

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Nos últimos anos observou-se um expressivo aumento no número de visitantes nas Unidades de Conservação federais (UCs). Segundo dados do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia federal responsável por gerir e fiscalizar as UCs, em 2012 foram registrados 5,7 milhões de visitantes, elevando-se para 12,4 milhões em 2018, denotando um crescimento de 117,54% no período.

Historicamente, desde o início dos anos 2000, o governo federal vem delegando à inciativa privada a gestão dos serviços relacionados ao turismo nas áreas de uso público das UCs, por meio de contratos de concessão ou instrumentos similares. Nestas parcerias, a depender das características e anuência legal em cada unidade, o setor privado é responsável por explorar diversas atividades comerciais, como a cobrança de ingressos, serviços de transporte interno, estacionamento, alimentação (A&B), comercialização de souvenirs, passeios, hospedagem, entre outros. Em troca, responsabiliza-se por investimentos na infraestrutura e compartilha um percentual de seu faturamento bruto com o governo, por meio do instrumento de outorga variável. Porém, verifica-se que o processo de outorgas deste tipo concessão vem experimentando um movimento pendular, com incremento nas contratações até 2010, seguido por um considerável hiato entre 2010 e 2018. Atualmente, existem aproximadamente 70 parques nacionais, porém menos de nove contratos de concessão vigentes.

Aproveitando-se do potencial econômico destes ativos, em conjunto com uma política arrecadatória e de restrição fiscal, o governo federal retomou em 2018 um extenso plano de concessões das Unidades de Conservação. Este processo teve início, naquele mesmo ano, de forma embrionária e tímida com a assinatura dos contratos de concessão do Parque Nacional do Pau Brasil (BA), Parque Nacional de Itatiaia (RJ/MG) e Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO). Apesar de contarem com atrativos turísticos únicos, eles apresentam um volume de visitação módico se comparado aos volumes de visitação contabilizados pelos parques líderes neste quesito. Estima-se que existam cerca de 10 projetos para concessões de parques federais, dentre os quais destaca-se a relicitação do principal contrato de concessão do Parque Nacional de Foz do Iguaçu (PR), atualmente sob gestão do grupo Cataratas S.A., além dos parques deJericoacoara (CE), dos Lençóis Maranhenses (MA) e de Aparados da Serra e Serra Geral (RS/SC), estes três, atualmente, sem instrumentos de concessão à iniciativa privada.

Entretanto, a concretização destes projetos, previstos inicialmente para este ano e com a promessa de movimentar alguns milhões de reais em outorgas para os cofres públicos e atrair investimento privado para a infraestrutura estatal, passou a ser tarefa complexas e incerta. A crise provocada pelos desdobramentos da covid-19 abalou a economia como um todo. O turismo provavelmente foi um dos setores mais afetados. Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o setor perdeu mais de R$ 2 bilhões em apenas duas semanas de março. Nos parques nacionais não foi diferente. Na segunda quinzena de março o Ministério do Meio Ambiente suspendeu a visitação em todas unidades federais de conservação.

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O contexto vigente não é o mais favorável para o lançamento destes projetos como era até algumas semanas atrás. Apesar de não envolverem volumes de inversões expressivos, quando comparados a outros segmentos de infraestrutura, nos parques nacionais a sustentabilidade econômica é bastante volúvel. O retorno econômico-financeiro depende de um equilíbrio orquestrado entre duas bases profundamente abaladas pela crise pandêmica: disponibilidade de infraestrutura para a efetivação da cadeia do turismo , como transporte, hospedagem, alimentação, operadores turísticos, entre outros, e da predisposição ao consumo do turista, condicionada ao seu excedente de renda.

O mercado aguarda com ansiedade as premissas técnicas, econômicas e jurídicas que embasarão os editais destes projetos. Elementos basilares como projeção de demanda, estimativa de ticket médio de consumo, escopo dos serviços do parceiro privado, taxa mínima de retorno, tipo e metodologia de cálculo de outorga, regularização fundiária e adequações no Plano de Manejo devem ser sensibilizados no atual contexto.

O desequilíbrio destas premissas pode gerar projetos distorcidos. Dentre as possíveis consequências deletérias estão leilões sem participantes, proponentes sem concorrentes ofertando lance mínimo ou até mesmo a assinatura de contratos que, mesmo antes da transferência da operação ao ente privado, já possuem pedidos de reequilíbrio econômico.

Espera-se que os novos editais não repitam experiências negativas verificadas em alguns contratos do passado, como a imposição de vultuosos investimentos obrigatórios logo ao início do contrato, a despeito da inexistência de fundamentação técnica adequada. Esta falha poderia ser evitada com a estipulação de gatilhos de demanda ou a previsão de eventos específicos que justifiquem estes investimentos. Outros pontos que merecem atenção são o engessamento da política de preços dos atrativos turísticos, a impossibilidade de exploração de novas atividades ao longo do tempo que não estejam previstas no contrato original e a falta de clareza suficiente na matriz de riscos entre as partes.

De todo modo, enquanto o mercado remanesce em compasso de espera, o diálogo entre governo e iniciativa privada é imprescindível. Seria interessante que ao menos a minuta dos editais e documentos correlatos fossem disponibilizados para que os participantes do mercado colaborem com contribuições para o aprimoramento dos certames.

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Neste ínterim, deve-se reflexionar sobre as adversidades e soluções para um futuro ainda incerto. Superada a crise, oportunidades certamente surgirão. O exame cuidadoso para as configurações jurídicas entre público e privado baseadas em experiências internacionais exitosas, que superam o contumaz entrave de concessões tradicionais, pode impulsionar novas parcerias.Instrumentos de financiamentos inovadores para o setor poderão emergir em detrimento do mercado de crédito tradicional. Dentre estes instrumentos, a estruturação de operações envolvendo os recursos de fundos filantrópicos, com capital nacional e/ou estrangeiro, regulados recentemente pela Lei n. 13.800/2019, poderá alavancar estes ativos. Fundos soberanos, usualmente interessados em investimentos que possuam componentes de sustentabilidade, podem despontar como potenciais interessados neste segmento. Há, portanto, uma perspectiva intrigante de investimentos àqueles que se posicionarem com antecedência.

Fato é que existem mais perguntas do que respostas para o êxito das concessões destes ativos. A maior aposta para o setor esteja ainda fora de bases mensuráveis em termos econômicos e financeiros, mas indubitável: a revalorização dos espaços públicos finda a pandemia e seus desdobramentos à cultura das próximas gerações.

*Mauricio Taufic Guaiana, sócio da Vallya

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