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O debate sobre a reforma tributária e os efeitos negativos da diferenciação entre produtos e serviços

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Por Renata Mendes e Marina Thiago
Atualização:
Renata Mendes e Marina Thiago. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Começamos este artigo pelo fundamental: queremos e precisamos de uma reforma tributária sobre o consumo para que haja maior desenvolvimento econômico e justiça social no Brasil. Embora essas premissas já sejam consenso, o debate segue ainda difícil quando se trata da carga incidente na tributação dos produtos versus a tributação dos serviços.

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Hoje, à exceção do Brasil, nenhum país adota a diferenciação total entre produtos e serviços e na forma que são tributados. O que geralmente se aplica são isenções e alíquotas diferenciadas para poucos bens e serviços específicos (como, por exemplo, educação e saúde). No caso da reforma tributária em debate hoje, a PEC 110 prevê a possibilidade de educação, saúde, transporte público, gás de cozinha e alimentação tenham tratamentos diferenciados, a serem definidos posteriormente na Legislação Complementar - uma vez aprovada a PEC.

Além de não ser o padrão mundial, a diferenciação da tributação entre bens e serviços também impõe desafios de competitividade e inovação no país. O mundo atual é cada vez mais tecnológico e com fronteiras difusas entre o que é bem ou serviço, o que faz com que no nosso sistema atual os novos negócios fiquem eternamente em zonas cinzentas de classificações. Essa realidade é ainda pior para as pequenas e médias empresas que não têm recursos para fazer planejamentos tributários caros. Um empreendedor com quem conversamos fez a síntese da questão: "A livre concorrência não funciona no Brasil: como concorrer com uma grande empresa? Elas têm uma estrutura fiscal que é impossível competir. Elas aprenderam a usar a complexidade do sistema ao seu favor".

Em termos de produtividade, a diferenciação total entre bens e serviços que temos hoje também faz com que a estratégia e organização das empresas sejam determinadas por questões tributárias, e não outras que seriam mais vantajosas para o negócio e para o país. Em outros casos, algumas empresas acabam optando por deixar o Brasil. Exemplos como estes não param de aparecer e crescer, prejudicando o desenvolvimento econômico do país.

Em relação aos impactos sociais, a diferenciação total entre bens e serviços aumenta as desigualdades. O consumo de serviços é maior quanto maior a renda das pessoas. Assim, quando o Brasil opta por tributar mais os bens e menos os serviços, inevitavelmente essa escolha beneficia a população mais rica. Este é um consenso em todos os estudos publicados sobre o tema, feitos pelos maiores especialistas de tributação e desigualdade do Brasil e do mundo: Banco Mundial, OCDE, IPEA e de estudos de pesquisadores da UFMG e da FGV. Além disso, como a reforma tributária hoje em discussão busca manter a carga tributária atual, se os parlamentares optarem por reduzir a tributação apenas do setor de serviços, esse custo precisa ser compensada com um aumento sobre aquilo que está na cesta de consumo dos mais pobres, como, por exemplo, a conta de luz.

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Por fim, é essencial lembrar que o grande desenvolvimento econômico e social que a reforma tributária gera não é um capítulo apartado dos impactos para os setores. Os efeitos que a reforma tem sobre o país e as pessoas se reverte para todas as empresas na forma de menores custos, maiores investimentos, maior renda e consumo da população. Segundo estudo realizado pelos pesquisadores Edson Nascimento e Débora Freire, da UFMG, a reforma tributária traria para o setor de serviços uma redução do custo de produção de 12,6% e um aumento da sua atividade de 18,02% - ou seja, o setor tem ganhos tanto sob o ponto de vista de custos, quanto de consumo. Isso em razão das melhorias que a reforma tem sobre o custo de capital e insumo, melhoria da produtividade e segurança jurídica, e do consequente aumento dos investimentos, do emprego e da renda da população.

O setor de serviços tem criticado duramente o projeto de reforma tributária para o Brasil. Sabemos que esse é um setor essencial: gera milhões de empregos e executa atividades primordiais para a população e para o desenvolvimento do país. No entanto, diferenciá-lo, como tem pedido o setor, acaba por prejudicar os objetivos primordiais da reforma tributária pela qual estamos lutando há mais de 30 anos: maior desenvolvimento econômico e justiça social no Brasil. E, acima de tudo, esses dois aspectos precisam ser nossa prioridade e o nosso compromisso sempre.

*Renata Mendes, mestre em ciência política e porta-voz do Para Ser Justo, movimento em defesa da aprovação da reforma tributária

*Marina Thiago, bacharel em Direito, mestre em Gestão de Políticas Públicas pela Fundação Getúlio Vargas e gerente de Advocacy da Endeavor e do movimento Pra Ser Justo

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