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O crescimento das fintechs e o mercado de capitais

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Por Giuliano Longo
Atualização:
Giuliano Longo. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Um dos assuntos do momento é o Pix, meio de pagamento eletrônico sem taxas lançado pelo Banco Central em conjunto com várias instituições financeiras. O Pix é parte de uma série de mudanças que vem acontecendo no universo bancário e financeiro do Brasil, e demonstra a demanda cada vez maior que os consumidores têm por praticidade e agilidade.

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O mote para toda esta transformação está em algo bastante óbvio: a tecnologia, que propiciou o surgimento de um novo modelo de negócios não só no Brasil, como em todo o mundo. De acordo com dados da Fundação Getúlio Vargas, o Brasil tem 234 milhões de smartphones em operação, mais do que os seus 211,8 milhões de habitantes. Esse advento da inovação gerou uma mudança de comportamento na população em geral, que cada vez mais deseja fugir da burocracia para resolver os mais variados problemas, e o mercado financeiro pegou carona nesse movimento. Empresas do segmento e nativamente digitais saíram na frente, gerando um forte movimento de desconcentração bancária, visto pela primeira vez na história do país.

Até bem pouco tempo atrás, a maioria dos serviços relacionados a aplicações e empréstimos ficava concentrada na prateleira dos bancos, que eram os únicos responsáveis por gerir todas as finanças dos consumidores. Com o apoio dessas instituições, os correntistas realizam os mais variados serviços, como pagamento de contas, uso de cartão de crédito, investimentos e tomada de empréstimos. Sendo as únicas opções disponíveis no mercado até então, os bancos, por sua vez, sempre cobraram altas taxas para gestão desses serviços e não ofereciam um atendimento personalizado de acordo com as necessidades de cada cliente.

O acesso à tecnologia por meio do ingresso das fintechs no mercado financeiro mudou significativamente o cenário de domínio bancário no Brasil. O primeiro sinal desta transformação está no segmento de máquinas de cartão. Enquanto há poucos anos havia apenas duas empresas dominando este mercado, hoje existem dezenas, se não centenas, de companhias que oferecem soluções de pagamento. Segundo um estudo realizado pela Distrito, hoje existem mais de 120 startups neste segmento que continua crescendo ano a ano. Com o aumento da concorrência, surgiram novas soluções e as taxas foram diminuindo, o que popularizou esse serviço, e hoje em dia já é comum vermos empreendedores individuais, como vendedores ambulantes, que disponibilizam a máquina de cartão de crédito para realizar vendas, o que é positivo para todo o ecossistema.

As fintechs têm como premissa a tecnologia como centro do seu negócio e oferecem serviços financeiros, como empréstimos, de forma facilitada, deixando no passado a longa espera por processos burocráticos e com altas taxas. Acessando o mercado de capitais e reduzindo custos com estrutura, pessoas e processos, estas startups conseguem oferecer taxas atraentes, atendimento de maior qualidade e muita inovação agregada. Uma das empresas mais conhecidas do setor possui 26 milhões de usuários de sua conta digital e 15 milhões de pessoas com acesso ao cartão de crédito da empresa.

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Vale destacar que os investidores também não ficaram de fora deste movimento: as plataformas e assessorias de investimento já são uma realidade no mercado atual e, assim como as fintechs, também se aproveitam do advento da tecnologia para oferecer novos serviços ao consumidor digital. Com as taxas de juros em níveis historicamente baixos, o diferencial é a possibilidade de oferecer produtos mais atraentes e rentáveis para quem quer investir, além de um atendimento personalizado e focado em atender as necessidades dos clientes.

É importante observar que quem está por trás do forte crescimento destas fintechs e que está financiando suas carteiras de crédito é o mercado de capitais. O segmento de crédito privado no Brasil tem crescido muito, com investidores atrás de maiores retornos e com as plataformas de distribuição oferecendo estas opções para eles. De acordo com dados da agência Reuters, as novas emissões de crédito privado devem atrair forte demanda, com cerca de 20 bilhões de reais sendo investidos entre os meses de dezembro de 2020 e fevereiro de 2021. Por meio dos veículos de securitização, como os FIDCs, os investidores passam a ter acesso a uma gama diferenciada de ativos para investir. Alguns fundos oferecem a possibilidade de investir indiretamente em cotas de FIDCs, que em geral são voltados apenas para investidores profissionais, e estão disponíveis nas plataformas de distribuição.

Esta nova estrutura do mercado financeiro permitiu atrair novos investidores, que ainda representam um público com grande potencial no Brasil. Enquanto anteriormente apenas uma pequena parcela da população investia, hoje há possibilidades para diferentes pessoas e bolsos. É um mercado extremamente pequeno, mas com grande possibilidade de crescimento. Segundo levantamento da Anbima - Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, apenas 42% dos brasileiros têm algum dinheiro investido. Desses, somente 9% aplicaram em produtos financeiros. Só na poupança, que hoje rende em média 1,4% ao ano, há R$ 972,67 bilhões investidos (fonte: Valor Investe). Qualquer parcela disso que migrar para o mercado de capitais já fará uma grande diferença na economia real.

Outro dado que mostra o grande potencial do mercado de capitais do Brasil é que por aqui, 2,98 milhões de pessoas, o que representa 1,4% da população, investem na bolsa, enquanto mais de 180 milhões de pessoas, ou cerca de 55% da população norte-americana, investem no mercado acionário dos EUA (fonte: Valor Investe e Forbes).

É fato que as fintechs vieram para ficar e que os consumidores não dependerão mais exclusivamente dos bancos. Importante notar que nada disso aconteceria sem mudanças na regulamentação do setor. O Banco Central vem fazendo adaptações que ampliam as possibilidades de ingresso de novas empresas. Um exemplo disso é o open banking, ferramenta que permite o compartilhamento de dados e serviços de clientes, mediante sua clara autorização e por meio da troca de mensagens entre as instituições financeiras. Assim, as fintechs poderão ter acesso a dados que antes apenas os bancos tinham - melhorando suas análises de crédito e, consequentemente, diminuindo o risco para o investidor e as taxas para os clientes. Novamente, todo o ecossistema sairá ganhando.

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Segundo dados da Febraban - Federação Brasileira de Bancos, 45 milhões de brasileiros ainda não têm conta bancária no país. Isso significa que uma em cada três pessoas acima dos 16 anos não utiliza nenhum tipo de banco. Esta parcela da sociedade se torna ainda mais significativa quando consideramos que ela movimenta R$ 817 bilhões na economia anualmente.

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Embora as fintechs estejam tentando atrair esta população entregando soluções cada vez mais adaptadas à sua realidade, também é necessária a realização de investimentos por parte do Estado para que a desbancarização diminua. Internet rápida ainda é um luxo para muitos brasileiros, dado seus altos custos e a inexistência de redes de transmissão em muitos locais do interior do país é uma realidade. É preciso investir em infraestrutura e fornecer os insumos básicos para que toda a população tenha igual acesso a serviços e tecnologia.

É fato que os setores bancário e financeiro serão muito diferentes daqui a cinco ou dez anos. Embora não seja possível adivinhar exatamente a que passo essas transformações continuarão a evoluir, uma coisa é certa: o "tradicional" já é sinônimo de passado.

*Giuliano Longo é sócio e diretor responsável pela área de produtos da Empírica Investimentos

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