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O crepúsculo da LGPD

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Por Daniel Becker e Daniel Sivieri Arruda
Atualização:
Daniel Becker e Daniel Sivieri Arruda. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A tinta das últimas medidas de urgência adotadas pelos Poderes Executivo e Legislativo mal secaram no papel e já se adota mais uma: a postergação da polêmica Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Em meio à pandemia da covid-19 a proteção de dados está no final da lista de prioridades. E, muito antes deste cenário, as mentes sãs já haviam sido alertadas de que a LGPD como está é potencial inimiga da inovação, da economia e do desenvolvimento social.

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Seria trágico pensar que nesse momento, as empresas estranguladas, fazendo o impossível para manter o pagamento de empregados, tributos e encargos imobiliários, tenham que se mobilizar e se adaptar à LGPD. A lei inquestionavelmente estimula a burocratização de empresas, onerando pequenos estabelecimentos comerciais que realizem com frequência cadastros de usuários, pequenos e médios empresários, expondo-os de maneira desproporcional e insensível ao momento.

Bem-vindo, mas não ousado o suficiente é o Projeto de Lei nº 1179, do Senador Antônio Anastasia que propõe o início da vigência em 1º de janeiro de 2021, observada a suspensão das sanções até agosto de 2021. Há quem argumente que as empresas não estarão preparadas por conta da insistência cultural em apostar que, no Brasil, "algumas leis não pegam", e que a LGPD gera negócios. Perdoe-se a sinceridade, mas a LGPD gera oportunidades para advogados e consultorias focadas na adequação e só. O resto é custo para as outras 99,9% das empresas. Chamar a LGPD de geradora negócios é o mesmo que dizer que as macabras recuperações judiciais e falências dos últimos anos aqueceram o mercado, quando, na verdade, teria sido bem melhor sem elas.

Por isso, é hora de aproveitar este hiato no processo legislativo, isto é, a tramitação do PL nº 1179, aprovado no Senado, para melhorarmos a LGPD.

É bom dizer que, ao criar um rol de direitos do titular de dados e uma complexa gama de deveres a ele acessórios, a LGPD impõe um severo ônus às empresas. As medidas ali estabelecidas já eram de difícil implementação para pequenas e médias empresas, sobretudo por conta da escassez de programadores e engenheiros para implementá-las.

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É chegada a hora, também, de discutir alguns pontos da LGPD antes que seja tarde. Estamos na lanterna da corrida tecnológica, enquanto a tendência mundial é privilegiar a inovação ao isentar pequenas e médias empresas. São elas que geram 75% dos empregos formais no país. Os países onde a inovação tem florescido de maneira contundente, como Estados Unidos, Israel, China, não adotaram o Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia (GDPR) enquanto parâmetro. Muito pelo contrário, esses países estimulam o experimentalismo para viabilizar a inovação, algo quase impossível para aqueles que seguem ou seguirão o modelo europeu. A LGPD acabou por tropicalizar, às pressas e sem o cuidado necessário, todo o arcabouço normativo europeu e, com isso, coloca as empresas recém-nascidas em um temerário jogo de roleta russa.

A LGPD é repleta de conceitos jurídicos indeterminados que são um prato cheio para servir à sedenta fiscalização administrativa que surgirá com sua entrada em vigor. Não é demais lembrar que a LGPD e o Código de Defesa do Consumidor (CDC) mesclam-se em uma química volátil e explosiva, uma vez que titulares de dados muitas vezes serão tratados como consumidores. Há vários dispositivos em comum, repetindo contingências como inversão do ônus da prova, solidariedade, responsabilidade objetiva etc. Para um país como Brasil, que detém um baixo custo de entrada na justiça, conta com cerca de 80 milhões de ações judiciais e gasta 2% do PIB com o Poder Judiciário, novos processos judiciais, definitivamente, não são bem-vindos.

A LGPD inviabiliza a sobrevivência de qualquer pequena ou média empresa, enquanto beneficia monopólios tecnológicos, que tem bolso fundo e pode suportar indenizações e multas. Dito de outra forma, a LGPD é claramente anticompetitiva e pode ser responsável pela acelerada redução de vida de empreendimentos em estágio inicial ou com faturamento modesto ao submetê-los aos mesmos custos regulatórios que conglomerados multinacionais.

Entendemos ser o momento propício para a postergação e revisitação da legislação. Devemos proteger o empreendedor brasileiro de novos encargos que venham a prejudicar sua rápida recuperação pós-crise.

*Daniel Becker é sócio de Resolução de Disputas no escritório Lima ? Feigelson Advogados e diretor de Novas Tecnologias do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA)

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*Daniel Sivieri Arruda é advogado e consultor. Mestre em Direito da Regulação pela FGV/RJ e pesquisador do Centro de Estudos em Direito e Economia (CPDE/FGV)

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