Em fevereiro deste ano, estive nos Estados Unidos documentando em vídeo algumas histórias de transformação empreendedora de marcas cujos movimentos narrei em meu livro Desaprenda. Uma dessas histórias foi a do conto da Nordstrom.
Ele conta que, numa das primeiras lojas da rede de lojas Nordstrom, em Washington, entrou um consumidor com quatro pneus nas mãos, querendo devolvê-los. Quando o vendedor se preparava para dizer que a Nordstrom não vendia pneus (possivelmente o cliente comprara de uma antiga loja de pneus que ficava no mesmo local), o dono da loja o interrompeu, examinou a nota fiscal e devolveu o dinheiro ao cliente. Depois, disse ao vendedor que não queria que nenhuma pessoa que entrasse na loja fosse embora dali insatisfeita. E assim se criou um propósito de marca, e uma cultura de atendimento ao cliente.
Supomos que uma experiência de compra ideal não pode se dar ao custo de prejuízo excessivo para a marca, quebra de processo (como dar baixa em uma peça que não está em estoque?) ou incapacidade de escalar para todo o negócio. Mas e agora, que o prejuízo é gigante, e a quebra de processo terá que ser uma regra, sob pena de não conseguirmos nos adaptar?
Acompanhamos nesta semana a notícia que a gigante do varejo americano JC Penney anunciou concordata. Um movimento acelerado pelo Coronavírus, mas que seria inevitável, uma vez que a empresa -- que já foi acionista das Lojas Renner -- já não vinha conseguindo lidar com a migração de venda para o digital, e vinha varrendo o pó do valor de suas ações na Bolsa.
Mas não se trata apenas de transformação digital: se trata de um momento em que será importante cuidar do cliente, em todos os sentidos. Para mim, o exemplo de consumidores lotando a Zara em Paris é algo de curto prazo, uma espécie de desejo represado, mas que no médio prazo somente se sustentará se as lojas cuidarem de aspectos como espaço, arquitetura, fluxo, equipamentos e segurança: permitir que os clientes comprem sem medo.
E não apenas o varejo, mas as empresas como um todo terão que compreender que é justamente no espírito de atitudes isoladas como a do conto da Nordstrom que poderá estar o futuro de uma experiência mais pessoal, mais cuidada e mais próxima.
*Cassio Grinberg, sócio da Grinberg Consulting e autor do livro Desaprenda - como se abrir para o novo pode nos levar mais longe