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O Coaf e as informações financeiras sob a ótica do garantismo

Por Mário Sarrubbo
Atualização:
Mario Luiz Sarrubbo. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Em recente decisão proferida em processo de repercussão geral, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, determinou a suspensão de investigações criminais e processos judiciais instruídos com dados fiscais e bancários compartilhados sem autorização judicial entre órgãos de fiscalização, dentre os quais foram expressamente citados o Fisco, o Coaf e o Bacen.

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A medida foi tomada atendendo a pedido do senador Flávio Bolsonaro, em investigação aberta a partir das movimentações financeiras atípicas de Fabrício Queiroz.

Grosso modo, o que se discute é se investigações criminais podem ser realizadas com informações financeiras fornecidas pelo Fisco, Coaf e Bacen independentemente de autorização judicial. Cuida-se, em síntese, de se definir se mera informação desses órgãos ao Ministério Público ou à Polícia importaria em violação ao sigilo bancário, direito consagrado pela Constituição Federal.

O Coaf - Conselho de Controle de Atividades Financeiras - órgão ligado ao Governo Federal, é o responsável por analisar transações financeiras suspeitas. Consta que em 2018 identificou cerca de 370 mil transações nessa condição. É órgão de inteligência fundamental para o combate à lavagem de dinheiro, infração penal derivada de graves crimes, como corrupção, tráfico de entorpecentes, tráfico de pessoas, terrorismo etc.

O art. 15 da Lei 9.613/98 expressamente determina essa comunicação aos órgãos responsáveis pela investigação. Há, por outro lado, várias normas administrativas regulamentando e impondo limites a essa comunicação, destacando-se o art. 13, I, da Circular 3.641/2009 do Banco Central, dispondo que as instituições financeiras devem comunicar ao Coaf as operações realizadas ou serviços prestados que possam configurar a existência de indícios dos crimes previstos na Lei 9.613/98 (Lavagem de Dinheiro).

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Esse robusto arcabouço legislativo deixa claro que essa comunicação não importa em violação do sigilo bancário e fiscal de quem quer que seja, na medida em que seu conteúdo faz menção apenas a determinada movimentação financeira suspeita. A partir dessa informação, o Ministério Público poderá iniciar investigação e, se necessário for, postular em juízo a quebra do sigilo bancário para fundamentar eventual ação penal.

Esse tem sido o entendimento de nossas Cortes Superiores. Daí a surpresa e a repercussão negativa da decisão, até porque, deferida em sede de medida cautelar e determinando a suspensão de todos os processos judiciais e investigações iniciadas por intermédio dessas informações.

A se confirmar o entendimento do Ministro Toffoli, inúmeras ações penais e investigações poderão ser anuladas, posto que iniciadas com os relatórios de inteligência financeira do Coaf (os chamados RIFs). Mais do que isso, a decisão poderá inviabilizar futuras investigações e processos na medida em que essa comunicação é que fundamenta e viabiliza a decisão judicial de quebra do sigilo fiscal e bancário.

Como se vê, os efeitos da decisão podem ser devastadores e sinalizarão a opção da nação brasileira por não respeitar compromisso assumido em Convenções e Tratados Internacionais de combater a Corrupção, o Tráfico de Drogas, de Armas de Pessoas e outros crimes graves.

Sinalizará, também, que o Brasil é um País seguro para a lavagem de capitais, um verdadeiro "Paraíso Fiscal".

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Não era essa a ideia dos legisladores constituintes em 1988.

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De fato, após a terrível experiência com o período ditatorial (1964-1985) a Constituição Federal de 1988 acentuou e assegurou várias garantias formais aos cidadãos no processo penal, em busca de um modelo ideal em que o indivíduo é preservado da arbitrariedade estatal.

Assim sendo, o art. 5.º da Constituição Federal garantiu que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano e degradante, além de estabelecer a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, a inviolabilidade do domicílio, das correspondências, das comunicações, a necessidade de lei anterior definindo crimes, a personalidade e individualização da pena, a possibilidade de prisão somente na hipótese de flagrante ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judicial, dentre inúmeros outros direitos.

A par das garantias individuais previstas no art. 5.º da Constituição Federal, ocupou-se também o legislador Constituinte de estabelecer, no art. 6.º, o direito à segurança como Direito Social.

A opção demonstra claramente a observância na Carta Magna do princípio da proporcionalidade (ou razoabilidade) em sua dupla vertente, ou seja, a proibição do excesso (garantismo negativo), bem como a proibição da proteção insuficiente (garantismo positivo).

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Em outras palavras, o que se busca é um equilíbrio entre os direitos individuais e os direitos da coletividade.

É esse equilíbrio que esperamos de nossa Corte Suprema. Não podemos admitir, dentro de nosso sistema penal constitucional, a quebra do sigilo bancário e fiscal de quem quer que seja, sem autorização judicial.

Mas, ao mesmo tempo, deve se considerar que uma decisão judicial de quebra desse sigilo depende de suficientes indícios de infração penal. E, como vimos, esses indícios, na prática, são obtidos com as comunicações feitas pelo Coaf, Banco Central e Receita, ao se depararem com movimentações patrimoniais e financeiras suspeitas.

O Relatório de Inteligência Financeira do Coaf não caracteriza violação ao sigilo bancário e fiscal de quem quer que seja. É mero indício de irregularidade a subsidiar o responsável pela persecução penal que poderá providenciar, se necessário, e num momento posterior, o pedido judicial de quebra.

Resta, assim, aguardar que nossa Corte Suprema rapidamente reverta essa decisão cautelar, honrando a jurisprudência dominante na própria casa e, mais do que isso, impedindo que o Brasil entre na chamada lista negra de nações não engajadas na prevenção à lavagem de dinheiro.

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*Mario Luiz Sarrubbo é subprocurador-geral de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo e professor do curso de Direito da Faculdade Armando Alvares Penteado (Faap)

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