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O caixa do governo e o STF

Em uma manhã de sábado, no âmbito do programa de pós-graduação stricto sensu da PUC-SP, o professor de Filosofia e Teoria Geral do Direito nos brindou com a presença de um professor russo, convidado por ele para uma visita ao Brasil. A ideia era mostrar as muitas diferenças entre o nosso constitucionalismo e aquele dominante na Rússia.

Por Gustavo Perez Tavares
Atualização:

Um dos exemplos dados pelo professor convidado foi o da declaração de inconstitucionalidade de um tributo (uma espécie de contribuição social pelas características expostas), com a negativa da Suprema Corte em determinar a devolução dos valores pagos indevidamente. Fundamento: se a contribuição era destinada à seguridade, então a inconstitucionalidade fora feita em favor dos cidadãos. "Um absurdo", comentamos naquele sábado, certos de que, em um Estado de Direito, a melhor medida "em favor dos cidadãos" é justamente o cumprimento das Constituição, nossa garantia contra a maioria de circunstância e os detentores temporários do poder político. O exemplo mostrava o grande distanciamento do que entendíamos por um constitucionalismo evoluído e a visão do nosso palestrante russo.

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Na quinta-feira (9/3), no início do julgamento do RE 574706-9, no qual o Supremo Tribunal Federal busca por fim a uma discussão de base de cálculo de contribuições sociais que já se arrasta por mais de duas décadas, aquela boa lembrança que eu tinha da aula de sábado de manhã se tornou amarga. Vimos, ao vivo, o procurador da Fazenda Nacional subir à tribuna do STF e pedir aos ministros que, em caso de declaração de inconstitucionalidade, a decisão só produzisse efeitos a partir de 2018. O argumento, longe de ser jurídico, era o de "quebra de caixa" do governo federal.

Vejam os leitores, o representante do Estado (em sua personificação fazendária) se posta diante do Supremo, o "Guardião da Constituição", para pedir que perpetuem uma inconstitucionalidade que se arrasta, há muito, por mais um ano! E para que? Para "salvar o caixa" do governo.

A grande distância entre o nosso Direito e aquele praticado na Rússia parece ter diminuído a ponto de ficar imperceptível. O instituto da modulação - técnica utilizada quando a declaração de uma inconstitucionalidade, se imediatamente aplicada, traria mais mal do que bem para o cidadão - concebido para situações extremas em garantia da segurança jurídica ou de um excepcional interesse social foi invocado, sem o menor constrangimento. Tudo para "salvar" o caixa do governo.

Para piorar, o único a verbalizar o seu espanto com o pedido foi o ministro Marco Aurélio, que o taxou de "muito extravagante". Se utilizar um instituto de proteção do cidadão, para casos extremos, em favor do caixa do governo, como se fosse uma situação corriqueira, não espanta os demais ministros da nossa Corte, o que os espantará? Quando foi que deixamos a situação chegar a esse ponto? Quais outras inconstitucionalidades poderão ser justificadas por motivos de caixa?

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Trata-se de um expediente cada vez mais comum. No cotidiano, nos espanta cada vez menos a ponto de o procurador da Fazenda Nacional requerer em tribuna, aos guardiões da Constituição, a perpetração da inconstitucionalidade, antes mesmo do julgamento se iniciar, como se fosse um pedido padrão. Aquilo que já não nos espanta mais, em breve, poderemos divulgar - como fez o professor russo. Eis o grande avanço da nossa sociedade: a permissão de inconstitucionalidade em favor do caixa do governo!

*Gustavo Perez Tavares, especialista em Direito Tributário do Peixoto & Cury Advogados

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