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O Brasil respeita cláusulas arbitrais

O Superior Tribunal de Justiça encerrou, recentemente, um conflito entre a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e a Petrobras que certamente vai gerar ainda mais segurança jurídica para os empresários que fecham contratos com a administração pública e elegem a arbitragem como meio de solução de controvérsias. O caso, que vinha sendo acompanhado de perto por especialistas e interessados na arbitragem no Brasil, envolve a competência para analisar contratos de concessão de petróleo. Os ministros da 1ª Seção do STJ julgaram um conflito de competência que colocava de um lado a Justiça Federal e de outro um tribunal arbitral. Por maioria de votos, eles entenderam que a competência é do tribunal arbitral.

Por José Nantala Bádue Freire
Atualização:

O assunto começou a ser analisado em abril deste ano. A Petrobras pediu, no STJ, a definição de quem seria competente para analisar questões sobre a existência, validade e eficácia de cláusula compromissória de contrato com a ANP. Seria a Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI) ou o Tribunal Regional Federal da 2ª Região?

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A ANP firmou contrato de concessão com a Petrobras, em 1998, para exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural. No decorrer do contrato, a ANP invocou impedimento do tribunal arbitral para impor cobranças e pagamentos de Participação Especial do Estado. Por outro lado, a Petrobras argumentou que quem decide sobre a competência do tribunal arbitral é o próprio tribunal arbitral (princípio da kompetenz-kompetenz). E o motivo é simples: os contratos de petróleo têm cláusula arbitral e as questões que dizem respeito a contratos de concessão são decididas historicamente na arbitragem.

O relator do caso, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, votou pela competência do TRF-2 - um posicionamento que, se prevalecesse, poderia causar dúvidas e insegurança jurídica em inúmeros contratos. O ministro entendeu que a vinculação ao compromisso arbitral decorre direta e indispensavelmente da manifestação de vontade e sua emissão ao juízo arbitral, na visão dele, não teria acontecido no caso concreto. Este posicionamento foi adotado mesmo diante da cláusula compromissória existente no contrato elegendo a CCI para dirimir litígios eventualmente surgidos. Além disso, antes do processo judicial, já havia sido instaurada a arbitragem entre as partes. Pelo que restou discutido no processo, a ANP não desafiou, à época oportuna, a jurisdição da CCI para apreciar o feito dentro do próprio processo arbitral.

A ministra Regina Helena Costa, no entanto, abriu divergência sobre o voto do relator. Ela afirmou que a manutenção da competência ao tribunal arbitral instituído gera segurança jurídica e foi acompanhada pela maioria dos ministros. A ministra lembrou que a arbitragem está prevista nos contratos de concessão e o tribunal arbitral deve decidir sobre a sua própria competência. O voto de divergência prevaleceu. Ficaram vencidos o ministro relator e o ministro Benedito Gonçalves. De fato, esta decisão evita um imbróglio muito maior. Afinal, mesmo se o STJ decidisse pela "incompetência" da CCI para apreciar o feito, os árbitros poderiam, em tese, prosseguir com a arbitragem, mas a sentença arbitral eventualmente prolatada seria praticamente inexequível e, em paralelo, estaria correndo um processo judicial versando sobre o mesmo assunto. Ou seja, uma grande perda de tempo e dinheiro para as partes e, indiretamente, para os próprios contribuintes.

Este caso é relevante especialmente diante do crescimento da arbitragem, no Brasil, nos últimos anos. Para se ter uma ideia, estatísticas mostram que, em 2016, houve um aumento de 20% no número de novas arbitragens na Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial - Brasil (Camarb). De acordo com dados da pesquisa "Arbitragem em Números e Valores", da advogada e professora Selma Lemes, em 2015, as seis principais câmaras arbitrais do país somaram cerca de R$ 10,7 bilhões em disputas arbitrais. Em 2016, esse número chegou a R$ 24 bilhões.

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Diante desse contexto, havia muito receio em relação ao assunto - principalmente após o voto proferido pelo ministro Napoleão Nunes Maia Filho, a favor da competência da Justiça Federal para apreciar o caso.

Agora, com mais essa decisão do STJ, há uma maior previsibilidade de entendimento em casos de fechamento de contratos com a administração pública prevendo cláusula arbitral. Nesse caso, em especial, o interessante é que temos, de um lado, uma Agência Reguladora e, de outro, uma Sociedade de Economia Mista controlada pela União, ou seja, é uma arbitragem quase que totalmente "pública".

É preciso deixar claro que o art. 1º, §1º, da Lei 9.307/96, não deixa dúvidas quanto à possibilidade da Administração Pública ser parte de processos arbitrais. Porém, ver o dispositivo sendo bem aplicado pelas Cortes Superiores é sempre um alento e uma confirmação de que o Brasil conhece e respeita o instituto da arbitragem.

*Especialista em Direito Internacional Privado e Arbitragem Internacional, do Peixoto & Cury Advogados

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